Blog GovTech http://govtech.blogosfera.uol.com.br Acelerar ideias e estimular uma cultura voltada para a inovação do setor público. Sat, 24 Oct 2020 07:00:15 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O que empreendedores do Brasil podem ganhar com o marco legal das startups http://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/10/24/marco-legal-de-startups-acelerando-o-empreendedorismo-no-brasil/ http://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/10/24/marco-legal-de-startups-acelerando-o-empreendedorismo-no-brasil/#respond Sat, 24 Oct 2020 07:00:15 +0000 http://govtech.blogosfera.uol.com.br/?p=1141

Marco legal das startups é uma legislação para acelerar o empreendedorismo no Brasil (NesabyMakers/Unsplash)

A semana começou com uma notícia muito positiva: o poder Executivo enviou ao Congresso Nacional o projeto de lei complementar para instituir o marco legal das startups e empreendedorismo inovador no Brasil

O marco legal das startups, como é conhecido, há muito é esperado por quem atua no universo do empreendedorismo.

Para se ter uma ideia do impacto que a legislação pode alcançar, um levantamento da Associação Brasileira de Startups (ABStartups) mostra que o número de empresas saltou de 4,4 mil em 2015 para mais de 13,4 mil em 2020 –crescimento de mais de 200% em 5 anos.

Contudo, outra pesquisa da entidade, desta vez em parceria com a Accenture, indica que a idade média de sobrevivência não chega a três anos. 

Embora o movimento de startups esteja em plena ascensão no Brasil, ele encontra um ambiente pouco receptivo e estimulante para que possa prosperar. O marco legal será decisivo para reverter esse cenário. E isso é especialmente verdade quando falamos das chamadas govtechs –startups que desenvolvem suas soluções tecnológicas para apoiar o setor público a enfrentar seus desafios.

Por que um marco legal para startups?

A resposta é bastante direta: o arcabouço legal que regula a atuação de empresas tradicionais no país impõe diferentes obstáculos para a constituição, atuação e, principalmente, o desenvolvimento dessas organizações. 

As startups, por definição, são empresas jovens, inovadoras e de base tecnológica. Por trabalhar em um cenário de grandes incertezas a partir de uma atuação disruptiva, elas têm um modelo de atuação muito particular, caracterizado pela experimentação, a tentativa –que acontece a partir de um Produto Mínimo Viável (MVP)–, o erro e a consolidação de experiência.

Mesmo com todos esses desafios, as startups são iniciativas com alta possibilidade de retorno, seja financeiro e, principalmente, de impacto. 

Dada essa natureza tão singular, é importante que a legislação nacional possa fomentar esse tipo de negócio. Ou seja, desburocratizar o acesso a componentes tecnológicos, criar uma tributação especial para o setor, digitalizar o processo de abertura de empresas, inclusive com modalidade de sociedade anônima simplificada.

Para se ter ideia do desafio, uma pesquisa realizada pelo BrazilLAB aponta que, no Brasil, o tempo médio para abertura de uma empresa é de 20 dias, enquanto que na Estônia, o mesmo procedimento dura três horas.

Também é fundamental que ela possa ampliar o acesso a crédito e investimentos, criando respaldo para a abertura de linhas de financiamento próprias em bancos, regulando a atuação de fundos de investimento em participações e, inclusive, facilitando o envolvimento de investidores individuais. 

Por fim, uma legislação que se proponha a fomentar a atuação de startups precisa prever mecanismos para fortalecer o ecossistema de tecnologia e inovação do país.

As duas frentes andam juntas: nações que se tornaram referência no surgimento de unicórnios –startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão– também são aquelas que mais investiram no desenvolvimento de tecnologia e inovação, fortalecendo a pesquisa e a formação de profissionais digitais. 

O marco legal das startups e as govtechs

Você já deve saber, mas não custa lembrar: as govtechs são startups que oferecem suas soluções inovadoras e tecnológicas para apoiar governos a enfrentar seus desafios nas mais diversas áreas – de segurança pública até a gestão do trânsito. 

O levantamento “As startups govtech e o futuro do governo no Brasil”, realizado pelo BrazilLAB e o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), aponta que há 80 startups consideradas como mais relevantes, ou seja, aquelas que vendem de maneira consistente para governos ou atuam em parcerias com o setor público. Mas, no Brasil, esse é um mercado subaproveitado: ao menos 1.500 startups nacionais teriam potencial para serem govtechs.

O marco legal das startups também será fundamental para incentivar esse universo que é tão promissor. Isso porque a legislação pode enfrentar um dos maiores entraves à atuação conjunta de governos e startups: as compras públicas.

Os critérios, modalidades e instrumentos existentes para que o setor público realize suas aquisições foram definidos há quase 30 anos –com a aprovação da Lei 8.666/1993– e não respondem às características singulares de um processo inovador: a experimentação, o foco em resultados e a necessária agilidade. 

Embora a proposta apresentada pelo poder Executivo traga mecanismos que podem estimular as compras públicas de soluções construídas por startups –por exemplo, a realização de testes das soluções, a revisão de critérios para a escolha da proposta para priorizar a solução de maior impacto e não, exclusivamente, a de menor preço e o foco nos resultados esperados–, resta saber o quanto será possível avançar em um desenho final que, de fato, possa estimular a construção de soluções entre govtechs e setor público. 

Como disse no início, a notícia é positiva. Mas o processo só começou. Resta acompanhar seus desdobramentos e entender seus impactos para o ecossistema inovador de startups do país. 

]]>
0
Por que precisamos ter mais mulheres na política brasileira http://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/10/17/porque-precisamos-ter-mais-mulheres-na-politica-brasileira/ http://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/10/17/porque-precisamos-ter-mais-mulheres-na-politica-brasileira/#respond Sat, 17 Oct 2020 07:00:41 +0000 http://govtech.blogosfera.uol.com.br/?p=1130

Ter mais mulheres na política é um passo fundamental para ampliar a igualdade de gênero (Giacomo Ferroni/Unsplash)

O título do texto já entrega a reflexão que quero trazer no texto desta semana. Estamos há menos de um mês das eleições municipais que definirão os mandatos para prefeituras e câmaras municipais para os próximos quatro anos. E precisamos ampliar a representação política elegendo mais mulheres para estarem à frente destes espaços de poder.

O Brasil tem um desempenho absolutamente vergonhoso quando analisamos a participação de mulheres na política. Embora tenhamos tido avanços fundamentais nos últimos anos, especialmente com medidas para ampliar o número de candidaturas femininas, somente 12,32% dos 70 mil cargos eletivos do país são ocupados por mulheres –o que resulta em exatos 8.624 mandatos. 

Dados do Inter-Parliamentary Union para o ano de 2020 nos dão a dimensão de como o Brasil se comporta frente ao cenário internacional: na Câmara dos Deputados, 14,6desig% das vagas são ocupadas por mulheres, ao passo que no Senado, o percentual é de 13,6%. Com índices como este, ocupamos o mesmo grupo de países como Gabão (14,8%), Índia (14,4%) e Congo (12,8%). 

Garantir a participação de mais mulheres na política é um desafio complexo. Por ser mais uma faceta da desigualdade de gênero, que é estrutural na esmagadora maioria das sociedades, soluções simples e pontuais não surtirão o impacto necessário e desejado.

É preciso investir em diversas ações, que sejam combinadas e efetivas para enfrentar o problema desde o seu início: a ideia socialmente partilhada de que as mulheres não precisam, podem ou sabem ocupar espaços de poder, especialmente na política. 

Embora discutir o “como fazer” seja fundamental, hoje, quero compartilhar os 3 principais motivos pelos quais acredito que devemos eleger mais mulheres para a política. Isso porque, em alguns momentos e a respeito de algumas questões, é sempre fundamental reafirmar aquilo que é óbvio.

  1. Porque é uma questão de eficiência democrática 

Nós compomos a maioria da população e do eleitorado brasileiro, mas somos a minoria em todos os cargos eletivos (presidente, prefeita, deputada, senadora e vereadora) de todas as esferas (governos federal, estadual e municipal) e poderes (executivo e legislativo). Esse é um evidente indicador do chamado déficit democrático: nossas instituições estão falhando em representar o perfil de seu eleitorado. 

E reduzir o déficit democrático não é importante somente para garantir um número de assentos para representantes femininas. A baixa participação de mulheres tem influência nas políticas públicas –falarei disso adiante. Isso porque homens e mulheres têm problemas, perspectivas e propostas muito diferentes entre si. Como esperar que uma maioria masculina possa oferecer serviços públicos ou legislar sobre temas sobre os quais desconhecem? 

Ninguém saberá melhor sobre a importância de combater a violência contra a mulher, garantir a licença maternidade e assegurar creches para todas as crianças do que aquelas que são mais afetadas por essas medidas. Mais mulheres na política significa também construir uma democracia que seja mais eficiente em representar as demandas de seus cidadãos e cidadãs. 

  1. Porque mais mulheres na política é igual a ter melhores políticas públicas

Nós tivemos evidências recentes sobre esse fato. Países liderados por mulheres, tais como Alemanha, Nova Zelândia e Taiwan tiveram um desempenho muito superior no combate ao coronavírus –tenho discutido sobre isso em minhas redes sociais

São líderes adaptativas, que combinaram visão de longo prazo, tecnologia, comunicação transparente e insights da economia comportamental para enfrentar os desafios trazidos pela crise.

Os resultados vieram rapidamente e são incontestáveis: a redução de casos e, por consequência, do número de mortes, conforme atesta pesquisa das Universidades de Liverpool e Reading. 

Mas esse resultado positivo também está presente para além dos momentos de crise.

Analisando dados de 3.167 municípios brasileiros, entre os anos de 2000 a 2015, um estudo publicado na revista Health Affairs concluiu que quanto mais mulheres na política, menor é a taxa de mortalidade infantil.

É também na política que as mulheres têm a oportunidade de demonstrar a efetividade de sua liderança e atuação que beneficia a todos.  

  1. Porque a participação política é fundamental para fortalecer a igualdade de gênero

Garantir que mais e mais mulheres possam ser eleitas é condição para avançar em uma sociedade igualitária para todos e todas. A participação política é tão fundamental quanto o acesso à educação, saúde e inserção econômica. Sem estarmos presentes nos espaços de poder em que decisões fundamentais sobre nossa vida são tomadas, não há como alcançar ou exercer a igualdade de gênero.  

Termino minhas reflexões dessa semana com um chamado: segundo o relatório publicado em dezembro de 2019 pelo Fórum Econômico Mundial, o “Global Gender Gap Report”, que analisa as dimensões de gênero em diversos países, se mantivermos as condições atuais de temperatura e pressão somente alcançaremos a igualdade entre homens e mulheres em 99,5 anos.

Caso não façamos nada, nenhum de nós –inclusive eu e minhas duas filhas– poderá viver as oportunidades trazidas por um mundo mais igualitário. Empoderar politicamente as mulheres é uma medida fundamental para encurtar esse longo século. Mas a transformação precisa começar agora. Mais precisamente, no próximo dia 15 de novembro.  

E fique de olho:

Em um blog sobre tecnologia, não podia deixar de mencionar algumas ações que buscam fortalecer a candidatura e a eleição de mulheres. Recomendo que você acompanhe as seguintes iniciativas:

Conhece mais alguma iniciativa? Compartilhe nos comentários! 

]]>
0
RG, CPF, CNH: Pix tem potencial para ser nossa identidade única e digital http://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/10/10/pix-chegou-saiba-o-que-ele-e-e-como-pode-mudar-a-sua-vida/ http://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/10/10/pix-chegou-saiba-o-que-ele-e-e-como-pode-mudar-a-sua-vida/#respond Sat, 10 Oct 2020 07:00:03 +0000 http://govtech.blogosfera.uol.com.br/?p=1117

Pix é o começo de uma revolução financeira e pode ajudar a enfrentar desafios históricos (Divulgação/ Banco Central do Brasil)

Imagine que você queira fazer uma transferência bancária, mas se depare com uma taxa de DOC ou TED no valor de até R$ 15. Ou que deseje pagar um boleto, mas se lembre que não é dia útil. Ou, ainda, precise realizar um pagamento, mas não tem todos os dados da pessoa ou empresa, como CNPJ, CPF e informações bancárias. Ou até mesmo tenha esquecido seu cartão de crédito ou dinheiro, e só esteja com o seu celular.

Se você faz parte do grupo de brasileiros que possui conta bancária, certamente irá se reconhecer em uma dessas situações. Mas elas estão prestes a se tornar algo do passado, graças ao uso da tecnologia: a partir de 16 de novembro passa a operar o Pix

A sigla dá nome ao novo meio de pagamento criado pelo Banco Central do Brasil (Bacen) e que promete revolucionar o universo de operações financeiras. A solução reúne algumas funcionalidades há muito esperadas: as transferências ou compras são instantâneas e a compensação ocorre em até 10 segundos; elas estão disponíveis todos os dias do ano e a qualquer horário; seu uso é gratuito para pessoas físicas; e, finalmente, as transferências e compras serão facilitadas pelo uso do QR Code ou da chamada chave Pix: um “endereço” da conta do usuário que receberá o pagamento, e que pode ser o CPF, CNPJ, telefone ou uma sequência aleatória de números gerada pelo sistema. 

De uma só vez, todos os incômodos tradicionais que enfrentamos hoje parecem estar com os dias contados. E essa nem é a principal vantagem do Pix.

Afinal, por que o Pix é tão revolucionário?

 

Freepik

A solução de pagamentos instantâneos não é uma exclusividade brasileira. Segundo um levantamento da empresa de tecnologia em serviços financeiros, FIS, pelo menos 54 países desenvolveram algum tipo de solução que possibilita operações financeiras em tempo real. Nações como Índia, China e Reino Unido são importantes referências nessa prática [saiba mais sobre a experiência indiana com o Aadhaar aqui]. 

É verdade que, num primeiro momento, a possibilidade de realizar pagamentos quase que instantaneamente possa se destacar como o grande diferencial da solução. E não é para menos, afinal, imagine poder realizar transferências a qualquer hora do dia e poder receber os recursos em até 10 segundos? 

Mas, considerando o contexto brasileiro, posso garantir que essa não é a principal revolução trazida pelo Pix, já que a solução tem o poder de garantir algo muito valioso: a bancarização da população brasileira. 

Já discuti sobre o tema aqui no blog. A pandemia de coronavírus e o pagamento do auxílio emergencial expuseram mais uma face da desigualdade social brasileira: 45 milhões de pessoas não têm acesso a uma conta bancária, sendo excluídas da possibilidade de usufruir de vários serviços, como acesso ao crédito, por exemplo. 

Por zerar as taxas cobradas para transações realizadas por pessoas físicas, a grande revolução trazida pelo Pix é a possibilidade de ampliar o acesso e incluir mais e mais indivíduos, que passam a usufruir de serviços financeiros.

O efeito borboleta Pix

Sim, ele existe. Pouco se discute, mas o Pix tem o potencial de resolver um problema histórico brasileiro: a ausência de uma identidade única e digital. 

Esse desafio também foi exposto durante a pandemia: de um lado, estamos cercados por um emaranhado de documentos e números de identificação — RG, CPF, Carteira de Motorista, Passaporte, Título de Eleitor, Certidões Profissionais– , a lista é imensa, conforme mostra o Mapa da Informação do ITS.

Por outro lado, há brasileiros e brasileiras que são “invisíveis”: não constam em nenhuma base de dados governamental e, portanto, são impedidos de acessar direitos básicos, como educação, saúde e trabalho. 

Em 2018, no GovTech Brasil, tivemos a participação de Cristiane Amaral que nos contou sua busca pelo reconhecimento de sua existência –milhões de brasileiros estavam no palco naquele momento.

A inclusão bancária, já que cada vez mais pessoas terão acesso aos serviços financeiros, em conjunto com os mecanismos QR Code e a chave Pix, traz a possibilidade de criar uma identidade única e digital, que permitirá acesso a crédito, benefícios governamentais e, possivelmente, o direito a existir. 

O Pix é, sem dúvida, uma grande boa notícia de 2020.

É a prova concreta de que a tecnologia pode gerar inclusão social. 

]]>
0
Risco de fraude? O que a tecnologia vai oferecer para o futuro das eleições http://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/10/03/como-as-tecnologias-podem-transformar-o-futuro-das-eleicoes/ http://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/10/03/como-as-tecnologias-podem-transformar-o-futuro-das-eleicoes/#respond Sat, 03 Oct 2020 07:00:08 +0000 http://govtech.blogosfera.uol.com.br/?p=1107

O futuro das eleições já começou e será tecnológico (Fábio Pozzebom/ Agência Brasil)

Grandes emoções podem ser esperadas até o final de 2020. O ano em que o mundo assistiu ao surgimento de uma pandemia guarda ainda dois importantes eventos: as eleições municipais no Brasil e a escolha do novo presidente dos Estados Unidos. Como em qualquer processo eleitoral, ambos merecem nossa maior atenção, afinal, os seus desdobramentos devem influenciar, de maneiras distintas, a vida de todos nós.

No texto de hoje, gostaria de falar sobre o segundo grande evento do ano, as eleições presidenciais dos Estados Unidos –mas aguardem: nas próximas semanas teremos reflexões sobre a escolha de nossos representantes.

Na última terça-feira, 29 de setembro, pude acompanhar a 1 hora e 30 minutos do debate entre os candidatos do país: de um lado, o atual presidente Donald Trump, do Partido Republicano, e do outro, o candidato democrata, Joe Biden, que foi vice-presidente do país durante a gestão de Barack Obama (2009-2017).

É difícil descrever com um só adjetivo o que foi o momento. Analistas políticos têm se desdobrado para estudar as minúcias de cada informação, argumentos e expressões dos dois candidatos. Me arrisco aqui a dizer que o debate foi uma amostra do período em que vivemos, em que a polarização extrema reina absoluta, e no qual há muitas conversas, mas poucos diálogos que apontem caminhos concretos para o desenvolvimento das nações.  

No emaranhado de temas e interrupções do debate, um aspecto me chamou especial atenção: o atual presidente dos Estados Unidos colocou em descrédito o sistema eleitoral do país que, em 2020, por conta da pandemia e dos esforços de distanciamento social, deverá ter um número recorde de eleitores manifestando sua escolha com o envio de votos pelo correio.

Embora a prática não seja nenhuma novidade –em 2016, disputa que teve Donald Trump como candidato eleito, 24% dos votos foram enviados por correio–, o candidato republicano insiste em afirmar, sem qualquer evidência, que a eleição será fraudada e que, caso não seja reeleito, deverá recorrer à Suprema Corte para arbitrar sobre o resultado final.

Considero que o questionamento de Trump foi o grande destaque do debate por três grandes motivos:

  1. Primeiro, ele coloca em xeque a legitimidade do processo eleitoral do país, caso ele não atenda às expectativas de reeleição do atual presidente. É sempre importante estar atento a qualquer tentativa de subverter o principal símbolo de uma democracia, a possibilidade de eleger representantes a partir do voto.
  2. Segundo, essa é uma discussão que já surgiu no Brasil e que pode influenciar nosso processo eleitoral de novembro – que, é importante lembrar, já foi adiado e ainda está coberto de uma aura de incerteza sobre quais serão os seus resultados.
  3. Por último e não menos importante: a oportunidade de construir processos eleitorais para que sejam seguros, transparentes e sigilosos. Nesse tema, o Brasil faz escola há tempos, utilizando tecnologia para garantir o direito ao voto.

Donald Trump e Joe Biden no palco do primeiro debate presidencial nos EUA (Saul Loeb / AFP)

Da urna eletrônica a identidade digital

O Brasil realizou uma verdadeira revolução eleitoral. Muitos dos atuais eleitores podem nem saber –e talvez nem tivessem nascido –mas em 1996 passamos a adotar o sistema de registro de votos eletrônico, dando fim ao modelo arcaico de eleições por cédulas de papel.

Diversos países que desejam adotar um sistema semelhante têm na experiência brasileira o verdadeiro exemplo a ser seguido e são muitos os acordos de cooperação e transferência dessa tecnologia. O interesse tem muito fundamento: a urna brasileira viaja para todas as localidades de nosso país de dimensões continentais. Seja em São Paulo, ou numa aldeia indígena do interior do Pará, essa é a tecnologia que garante o direito de escolha de cada cidadão brasileiro.

Nos últimos anos essa tecnologia foi aprimorada. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), instituição responsável pelas eleições no país, iniciou a identificação da biometria de cada eleitor, procedimento que garante ainda maior segurança e confiabilidade ao processo eleitoral –e também fez com que a instituição se tornasse uma referência para o projeto de criação de uma identidade digital que hoje está em discussão no país.

Mais recentemente, O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lançou um chamamento público em busca de soluções tecnológicas que permitam evoluções no sistema eleitoral, especialmente para possibilitar a votação online. As empresas interessadas poderão demonstrar o funcionamento de suas ferramentas já este ano, durante simulações no primeiro turno. Os resultados são promissores.

Ao que tudo indica, o Brasil seguirá como uma referência mundial na utilização de soluções tecnológicas aplicadas ao processo eleitoral. Esse é mais um exemplo de como a inovação e digitalização do poder público são fundamentais para trazer sigilo, segurança e transparência ao principal símbolo da democracia de diversos países. Isso sem mencionar a eficiência e economia que as soluções podem trazer –afinal, imagine poder votar do conforto de sua casa e com acesso a um celularE não para por aí.

Tecnologia e exercício da democracia

O processo eleitoral é fundamental e, como disse, um símbolo de toda a democracia. Mas ela não se encerra aí –ou, ao menos, não deveria. A participação e o controle social são fundamentais para o exercício da cidadania.

Já falei aqui sobre as civitechs, startups de tecnologia que se dedicam a fortalecer a participação social, garantindo que cada cidadão tenha voz e possa acompanhar –e cobrar– a execução de políticas públicas. Elas desenvolveram diversas soluções –de aplicativos para celular a portais na internet— que unem alguns elementos fundamentais para a participação social: o acesso à informação, canais de comunicação diretos com o poder público e, principalmente, a formação política.

Um exemplo dessas soluções é o Poder do Voto, aplicativo que permite que eleitores possam conhecer, interagir e se posicionar frente às diversas propostas de deputados e senadores eleitos do país.

Ou o Tem Meu Voto, uma plataforma que esteve ativa no ano de 2018 e permitia que eleitores, ao responderem algumas perguntas sobre o que desejavam para o Brasil, encontrassem candidatos alinhados às suas bandeiras.

Há também o Liane, projeto construído pelo Instituto Update, e que é uma ferramenta de engajamento social, permitindo a organização de ações e o acompanhamento de apoiadores.

No campo da formação política, experiências como o Meu Município e o Cidade em Jogo exemplificam o poder da tecnologia.

Desenvolvido pela Fundação Brava, o Meu Município é um portal que permite o acompanhamento da execução orçamentária de todas as cidades do país. Dados sobre os 5570 municípios brasileiros estão disponíveis e podem ser comparados, ampliando e facilitando o acesso de informações pelo cidadão.

Já o Cidade em Jogo é um game online que busca ampliar o conhecimento de jovens do ensino médio sobre a gestão pública: o jogador é prefeito por um dia e ele precisa escolher prioridades, administrar os recursos e lidar com as crises de uma cidade. 

Há um espaço infinito para aprimorar essas soluções e, sem dúvida, o Brasil pode se tornar referência na digitalização das eleições.

Nos próximos anos, poderemos construir um processo eleitoral ainda mais consolidado, sigiloso, seguro e transparente. Com isso, questionamentos como o do presidente Donald Trump que, hoje, já são insustentáveis, passarão a ser inaceitáveis.

]]>
0
Estudo inédito: qual o perfil das startups que atuam com governo no país http://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/09/26/brasil-govtech-uma-radiografia-das-startups-que-trabalham-com-governo/ http://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/09/26/brasil-govtech-uma-radiografia-das-startups-que-trabalham-com-governo/#respond Sat, 26 Sep 2020 07:00:29 +0000 http://govtech.blogosfera.uol.com.br/?p=1092

Brasil já é uma liderança govtech na América Latina, mas podemos ir muito além (You X Ventures/ Unsplash)

O Brasil é govtech. Isso é o que mostra o relatório lançado ontem, 25 de setembro, pelo BrazilLAB e pelo Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) – [você pode acessar o relatório completo aqui]. “As Startups GovTech e o Futuro do Governo no Brasil” traz uma radiografia inédita do ecossistema govtech no Brasil, abordando temas como distribuição regional, perfil das empresas, focos de atuação, maturidade, modelos de negócios, bem como desafios e oportunidades para um maior estímulo à adoção de soluções  tecnológicas desenvolvidas por startups pelos governos.

Se você acompanha o blog há pouco tempo –ou é sua primeira vez por aqui– talvez possa não entender o termo “govtech”. No Brasil, ele é relativamente recente, mas nomeia um movimento que tem crescido em tamanho e importância: mesclando “governo” e “tecnologia”, govtech dá nome às startups que buscam construir soluções tecnológicas para ajudar a enfrentar os desafios do setor público.

Atualmente, em todo o país, são 80 startups govtechs consideradas como mais relevantes, ou seja, aquelas que vendem de maneira consistente para governos ou atuam em parcerias com o setor público de forma recorrente.

Mas o relatório aponta que esse é um mercado subaproveitado: do total de startups existentes no Brasil, até 1.500 teriam potencial para atuação no mercado “business to government” (B2G) caso desejassem ofertar suas soluções tecnológicas para os governos. 

Outra pesquisa reforça esse cenário: segundo o “GovTech Index”, publicação da CAF, o Brasil é o país com o maior número de startups vendendo para governo na América Latina. Tudo isso aponta para o fato de que sim, o movimento das govtechs é recente, mas ele tem se consolidado de forma muito rápida e promissora. Será preciso, agora, estimular o que já está dando certo, especialmente, garantindo investimentos e uma legislação mais aberta à inovação.

Compartilho alguns destaques sobre a pesquisa.

Investimentos

Dentre os principais gargalos ao crescimento do ecossistema govtech, o financiamento ocupa lugar de destaque: não há um único fundo de investimento para apoiar a atuação das startups, seja ele privado ou até mesmo público. 

Essa baixa propensão dos investidores traz resultados concretos: 90% das startups que atuam com o setor público iniciaram sua operação com recursos próprios do sócio-fundador.

Além disso, os valores de investimentos para início da operação podem ser considerados modestos, já que dentre as 135 startups entrevistadas para o estudo, 38% delas começaram com uma verba de R$ 100 a R$ 200 mil. 

A baixa participação de investimentos contrasta com as perspectivas de ganhos: somente o Governo Federal empenhou ao longo de 2018 mais de R$ 4,4 bilhões em gastos com tecnologia de informação, incluindo equipamentos e serviços.

Há estimativas de que o mercado govtech possa representar US$ 1 trilhão até 2025 no mundo todo. Assim, nos próximos anos, será muito importante alterar a mentalidade de empreendedores e investidores, mostrando que esse é um mercado de alto potencial de retorno econômico, além do evidente impacto social dessas empresas.  

Foco de atuação e modelo de negócios

A maior parte das govtechs brasileiras tem como foco de atuação três temáticas: gestão (28%), educação (17%) e saúde (11%).

Mas a pesquisa também evidencia que o foco de atuação é tão diverso quanto a complexidade dos problemas enfrentados pelo setor público, por exemplo, segurança (correspondendo a 8% do total de startups) mobilidade e meio ambiente (7%), saneamento (2%) e habitação (4%).

Também foi possível constatar os principais modelos de negócios dessas govtechs. A maior parte delas está focada na oferta de “softwares como serviços” (SaaS), correspondendo a 53% do total de startups pesquisadas.

As focadas em mercado representam 7%, comércio eletrônico e vendas de dados representam 6%, assim como hardware, consumidor e licença que são apenas 2% respectivamente. Outros modelos de negócios correspondem a 22% das startups.

Maturidade

O relatório também traz destaques sobre a maturidade das govtechs brasileiras.

Quando falamos de “maturidade”, queremos analisar o nível de desenvolvimento da empresa. Em geral, uma empresa pode se encaixar em quatro fases progressivas:

  • ideação, quando há o planejamento do produto ou serviço que se quer oferecer;
  • operação, correspondendo à implementação;
  • tração, que ocorre quando a empresa experimenta um crescimento e;
  • escala (ou scale-up), quando o processo de crescimento se dá de maneira sustentada. 

A excelente notícia é que a maior parte das govtechs brasileiras se encontra nas duas fases mais avançadas de desenvolvimento do negócio: tração (32%) e operação (27%).

Há um número menor de startups nos dois extremos do desenvolvimento, já que 13% estão na etapa de ideação e 11% em escala (scale-up), enquanto 17% não informaram em qual estágio se encontram. 

Por fim, a pesquisa também destaca o papel das aceleradoras de startups como atores fundamentais para apoiar o desenvolvimento de soluções govtechs e também promover a conexão entre o ecossistema empreendedor e o setor público.

Nesse quesito, o Brasil também precisa avançar. Embora haja muitas aceleradoras dedicadas a fortalecer iniciativas de impacto social, o BrazilLAB é a única aceleradora do país dedicada à agenda govtech. 

Um futuro promissor 

Esse panorama inédito das startups govtech aponta para como esse ecossistema tem amadurecido e qual o seu potencial para contribuir com a transformação digital dos governos no Brasil.

Há ainda desafios a serem superados, principalmente na disponibilidade de investimentos e na construção de uma legislação que estimule a inovação, mas os resultados já são animadores e apontam para um futuro promissor no qual o Brasil é uma referência internacional no mercado govtech. Todos –sociedade, empreendedores e governos– temos a ganhar.

]]>
0
Do banheiro ao vazamento: onde cabe tecnologia no nosso saneamento básico? http://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/09/19/como-startups-podem-atuar-no-novo-marco-do-saneamento-basico/ http://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/09/19/como-startups-podem-atuar-no-novo-marco-do-saneamento-basico/#respond Sat, 19 Sep 2020 07:00:17 +0000 http://govtech.blogosfera.uol.com.br/?p=1076

Brasil precisa vencer desafios do século 18 para que possa aproveitar as oportunidades do século 21 (Van Campos/Fotoarena/Estadão Conteúdo)

Costumo dizer que o Brasil tem desafios do século 18, ao mesmo tempo em que precisa se conectar com as tendências e demandas do século 21. Nada exemplifica esse paradoxo do que a política de saneamento básico: 24% da população não tem acesso à água tratada e (assustadores) 51% dos cidadãos não têm sistema de coleta de esgoto em suas cidades, segundo dados da consultoria Mckinsey.

É bem verdade que o Brasil não é exclusividade quando o assunto é água e saneamento. Diversas nações enfrentam problemas semelhantes, e para representar a relevância do tema, ele é o 6º dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) –também conhecida como Agenda 2030– a partir do qual há o compromisso de “assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos”.

Ainda que não sejamos os únicos, não podemos amargar essa situação por muito mais tempo: as condições sanitárias de um país estão diretamente relacionadas com seus indicadores de desenvolvimento, qualidade de vida e saúde. Durante a pandemia, para muitos de nós, ficou evidente como o acesso à água é um luxo, já que muitas pessoas não podiam garantir uma prática tão simples, mas fundamental, como lavar as mãos.

Em julho, uma medida foi criada e promete revolucionar o tema: o novo marco do saneamento básico. Aprovado pela Congresso Nacional e sancionado pelo presidente da República, a legislação traz mudanças estruturais para a área e retoma a importância do tema.

Principais pontos da legislação

O novo marco legal do saneamento básico prevê a universalização do atendimento até 2033, com uma previsão de investimentos de R$ 700 bilhões. Um dos principais pontos da medida –e talvez mais controverso– é a abertura de concorrência ao setor privado para participar das concessões, uma modificação considerável porque, até então, a oferta dos serviços de saneamento tem sido realizada majoritariamente por empresas públicas.

As críticas ao novo marco legal do saneamento transitam entre a forma como a legislação foi construída — para muitos, sem a devida participação das partes interessadas e em um momento em que todas as atenções estão voltadas à resolução da crise trazida pelo covid-19— e também sobre o papel atribuído ao setor privado e seus possíveis desdobramentos.

Sem entrar nos detalhes desse debate técnico, o fato é que ainda há muito o que ser debatido e construído, em termos de regulação, de modo a garantir as condições necessárias para que o principal interesse atendido seja o dos cidadãos. Afinal, é preciso assegurar que a nova legislação seja, no mínimo, efetiva para combater os problemas que hoje existem sem criar ou aprofundar as desigualdades que deveria combater.

E embora muito importante, o novo marco legal não é a única resposta para o problema do saneamento básico no Brasil. Um desafio tão antigo, complexo e que tem desdobramentos tão profundos, demandará um conjunto de soluções, atores e recursos. Isso porque o Brasil tem características que tornam ainda mais difícil o esforço de universalização do saneamento básico. Somos um país com dimensões continentais e com 5.570 municípios –desses, 97% possuem menos de 200 mil habitantes.

Mesmo com a concorrência aberta à iniciativa privada, é pouco provável o interesse em explorar todas essas cidades, já que o investimento em capital deverá ser muito alto e precisa ser compensado pela perspectiva de arrecadação.

Nesse cenário, o uso intensivo de tecnologias inovadoras será fundamental. Elas ajudam a responder ao desafio que temos hoje: como levar acesso ao saneamento básico para todas as pessoas, mesmo em cidades com baixa densidade demográfica, e com recursos limitados?

Govtechs em ação

O ecossistema de startups govtech pode ser fundamental para ajudar a responder essa difícil equação. Já falei sobre esse tema aqui no blog e reforço o recado: as govtechs podem trazer soluções que garantam um saneamento básico eficiente, ágil e de qualidade.

Há muitas experiências que demonstram como isso é possível.

A Oncase, uma das selecionadas no 4º Ciclo do Programa de Aceleração do BrazilLAB, é uma startup que busca combater um grave problema no abastecimento de água: o desperdício. Estima-se que 38,45% de água sejam perdidos na distribuição, segundo dados do Instituto Trata Brasil.

A Scora Acqua busca identificar os focos de vazamento, utilizando inteligência artificial, e direcionando os reparos necessários.

Há também startups que estão criando “smart toilets”, ou “banheiros inteligentes”, que são mais limpos e eficientes, e permitem a compostagem de matéria orgânica e o aproveitamento de energia, como é o caso das experiências Toilet for People (TfP) ou a Ekam Solutions. Nada se cria, nada se perde. Tudo se transforma.

Outras govtechs se dedicam ao desafio de garantir água potável. É o caso da SDW (Safe Drinking Water for All), da biotecnologista baiana, Anna Beserra, que criou a Aqualuz, uma solução que utiliza somente a energia solar para filtrar a água de cisternas, deixando-a própria para o consumo humano. Implementada na região do semiárido nordestino, custa, em média, R$ 400 e dura 20 anos.

A questão do saneamento básico entra novamente na agenda e, esperamos, deve permanecer até que seja completamente resolvida. Como discuti no blog há duas semanas, devemos buscar uma sociedade que seja próspera para todos e para cada um de nós, e isso passa por garantir o acesso a serviços básicos e tão fundamentais.

Algo tão grave e complexo demandará o esforço conjunto de muitos atores e o uso intensivo de inovação e de tecnologia. As govtechs conhecem o caminho e serão estratégicas para que, de uma vez por todas, esse direito tão precioso seja garantido.

Convite

Na sexta-feira, dia 25 de setembro, lançaremos o “BraziLAB Talks”, uma série de debates que deve acontecer todos os meses, até o final do ano, com a participação de especialistas nacionais e internacionais que compartilharão insights sobre a agenda de inovação e tecnologia para o setor público.

A primeira edição é especial e, por isso, lançaremos o relatório “As Startups GovTech e o Futuro do Governo no Brasil”, produzido pelo BrazilLAB e pelo Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF). A pesquisa inédita no país traz um panorama sobre o ecossistema de GovTechs, com dados sobre áreas de atuação, perfil e porte das empresas.

Se você tem interesse em saber mais sobre esse universo das startups GovTechs, não perca o evento que começa às 14h30 –e acesse às minhas redes e as do BrazilLAB para saber mais.

]]>
0
Como evitar que voltemos às aulas pior do que antes da pandemia http://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/09/12/escolas-reabrem-o-que-podemos-esperar-e-o-que-fazer-para-uma-volta-segura/ http://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/09/12/escolas-reabrem-o-que-podemos-esperar-e-o-que-fazer-para-uma-volta-segura/#respond Sat, 12 Sep 2020 07:00:35 +0000 http://govtech.blogosfera.uol.com.br/?p=1057

Na volta às aulas, devemos ter um compromisso: não voltar pior do que entramos na pandemia  (Alexandra_Koch/ Pixabay)

A educação foi a área mais impactada pela pandemia de coronavírus no Brasil. Em um movimento talvez sem precedentes, crianças e adolescentes estão há 6 meses sem frequentar as salas de aula. Segundo estimativas da ONU, 1,5 bilhão de estudantes em todo o mundo estão fora da escola. 

No Brasil, temos vivido um verdadeiro experimento educacional: o ensino à distância (EAD) foi implementado em larga escala, com diferentes intensidades e níveis de preparação técnica e, mesmo sem qualquer planejamento prévio, tem permitido a continuidade das aulas para milhões de crianças –ao menos nas redes de escolas privadas. 

Quando falamos do ensino público, o cenário é bastante diferente: muitos alunos não têm acesso à internet, computadores ou celulares, tecnologias indispensáveis para a manutenção das aulas.

A pandemia tem exposto a profunda desigualdade educacional do país e, frente a esse contexto, as redes de ensino inovam e operam como podem, inclusive, com a transmissão de aulas via rádio ou televisão. 

Em diversos estados do país, não há previsão de um retorno às aulas presenciais, mas outros, como diz a expressão, começaram a colocar o pé na água. Nesta última semana, Rio Grande do Sul e São Paulo iniciaram a reabertura das escolas, que deve ser gradual, não obrigatória e prevê diversas medidas de monitoramento, cuidado e proteção com estudantes, professores e funcionários. As duas experiências são fundamentais porque os primeiros a “arriscar” uma retomada serão aqueles que servirão de referência para as demais redes de ensino –todos estamos atentos, portanto, aos resultados que poderão surgir.   

Confesso que, nesse momento, minha mente de profissional especialista em políticas públicas se confunde com meu coração de mãe. Tenho três crianças, duas delas estão em idade escolar. Convivo diariamente com o desafio das aulas em casa e também com o exercício de fazer a gestão da ansiedade que as pequenas sentem por quererem voltar à rotina da escola. 

Entendo a importância de retornar às aulas presenciais, algo que será fundamental para reduzirmos, o quanto antes, o déficit de aprendizado, mas também não me sinto completamente segura com a perspectiva de volta no momento atual, em que o número de casos da doença ainda não reduziu de maneira significativa. Aparentemente, eu não sou a única a ter receios: pesquisa do Instituto Datafolha realizada em agosto aponta que 79% acreditam que a abertura das escolas deve agravar a pandemia. 

Como quase tudo o que diz respeito à pandemia de coronavírus, teremos que lidar com uma situação em que há mais incertezas do que respostas concretas. Mas também temos diante de nós a oportunidade de fazer diferente: se, num primeiro momento, tivemos que suspender as aulas sem qualquer tipo de preparação, podemos, agora, construir uma retomada gradual e, sobretudo, planejada. Aprender com quem já trilhou esse caminho e usar a tecnologia a nosso favor são fatores imprescindíveis para que isso seja possível. 

Aprender com quem já fez

Pixabay

Durante a pandemia, por vezes, sinto como se estivéssemos em uma máquina do tempo. Diversos países já vivenciaram os mesmo problemas que, hoje, enfrentamos. Isso pode ser entendido como uma grande vantagem: podemos antecipar o que ainda está por vir e, principalmente, incorporar os aprendizados de boas práticas –evitando cometer os mesmos erros, importante lembrar. 

Analisando as estratégias de nações como Dinamarca, Coreia do Sul, Cingapura, Reino Unido e França, é possível identificar protocolos e práticas comuns: a separação de alunos em subgrupos que frequentam a escola em dias alternados, o reforço de práticas de limpeza dos ambientes e da higiene pessoal, especialmente a lavagem de mãos, a checagem de temperatura e até a criação de “classes híbridas”, em que parte dos estudantes está presencialmente e parte assiste às aulas com recursos online.

Será fundamental entender esses protocolos de retomada, quais foram os desafios de sua adoção e, principalmente, os seus resultados para conter um dos principais riscos que a abertura pode trazer: a ampliação dos casos de contaminação. 

E para apoiar todas as estratégias de segurança “analógicas” –a higiene das mãos e ambientes, por exemplo– e, especialmente, para combater os outros efeitos negativos trazidos pelo fechamento das escolas, podemos e devemos contar com diversas estratégias tecnológicas. 

Tecnologia como aliada para a retomada

Há concordância entre os especialistas em relação à retomada das aulas: é impossível voltarmos de onde paramos. Os seis meses de afastamento –que podem ser ainda maiores– deverão gerar um passivo muito grande para a educação brasileira. E considerando o histórico de defasagens educacionais de nosso país, especialmente na rede pública de ensino, o cenário se torna ainda mais grave. 

Soma-se a isso o risco de que muitos alunos sequer retornem para as escolas e a taxa de evasão, já bastante alta, possa se acentuar ainda mais. Os efeitos serão catastróficos: em uma pesquisa realizada pela Fundação Brava em parceria com o Insper, conseguimos identificar que a evasão escolar no ensino médio custa ao Brasil R$ 49 bilhões por ano, algo alarmante considerando que o valor gasto com educação no período analisado era de R$ 50 bilhões. 

O Brasil tem uma singularidade, portanto: na retomada das aulas, precisamos garantir a saúde de estudantes e suas famílias, ao mesmo tempo em que asseguramos o aprendizado, especialmente entre os grupos mais vulneráveis da educação pública, e também cuidamos para reduzir a evasão escolar. 

Para lidar com um cenário tão complexo, não há respostas fáceis. Será preciso garantir coordenação entre diversos atores públicos, famílias e estudantes. Mas a tecnologia tem sido –como discuti aqui– e pode continuar a ser uma aliada fundamental nesse esforço. 

Pensando nisso, o BrazilLAB lançou a Força-Tarefa Covid-19, um projeto voltado a acelerar startups, pequenas e médias empresas que apresentem soluções para o desafio da educação no Brasil. Uma das selecionadas, a Filho Sem Fila, criou um software que permite organizar e registrar os fluxos de entrada e saída de alunos, reduzindo em 75% as aglomerações dentro da escola e a permanência de pais do lado de fora. A solução conta, ainda, com um questionário interativo de sintomas de covid-19, tanto para alunos como para colaboradores, que permite avaliar a possibilidade de frequentar a escola. 

A Agenda Edu, por sua vez, é uma plataforma de gestão de comunicação que une alunos, responsáveis e escolas. Ela substitui bilhetes ou agendas impressas e permite a comunicação em meio digital pelo celular – algo que será fundamental para garantir o compartilhamento de orientações entre escolas, alunos e famílias. 

Também selecionamos a Prova Fácil e Tamboro, que com suas plataformas permitem a avaliação de estudantes e a oferta de recursos pedagógicos, elementos que serão fundamentais para a retomada do aprendizado.

A quinta selecionada foi a Árvore de Livros e sua solução que promete democratizar o acesso aos livros: ela é a maior plataforma de leitura digital do Brasil, com mais de 35 mil obras em seu acervo.

Essas são algumas das mais de 300 soluções que conseguimos identificar com o Força-Tarefa Covid-19. Elas exemplificam como a tecnologia é fundamental para enfrentar desafios que devem estar presentes em nossa retomada da educação. E arrisco a dizer que sem a adoção de soluções tecnológicas e inovadoras, corremos o risco de não conseguir alcançar aquilo que deve ser um compromisso público: retomar a educação no Brasil não pior do que entramos no início da pandemia.

]]>
0
Com covid e avanço digital, qual Brasil vai celebrar o Dia da Independência http://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/09/07/a-resiliencia-de-ser-brasileiro/ http://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/09/07/a-resiliencia-de-ser-brasileiro/#respond Mon, 07 Sep 2020 07:00:03 +0000 http://govtech.blogosfera.uol.com.br/?p=1045

Gerd Altmann/ Pixabay

Hoje é o dia de celebrar a independência do Brasil. Esse é um marco muito relevante para todos os países que um dia foram colônia, especialmente porque simboliza a autonomia de nossa nação, que passa, então, a ser regida pela soberania de seus cidadãos. 

Para mim, uma apaixonada por história e política, a data sempre foi importante para realizar um balanço e reflexão sobre os avanços que alcançamos nesses quase dois séculos como nação independente. Algumas dessas conquistas, pude somente usufruir; enquanto que em outras, fui testemunha e, por vezes, participante direta.

Aos 7 anos, acompanhei a aprovação de nossa Constituição Federal –chamada por muitos de “Constituição Cidadã”– um verdadeiro marco depois de anos de ditadura e de violações aos direitos políticos e sociais.

Sempre tive a consciência da importância da conquista desses direitos, pois em casa esse tema era amplamente debatido. Meu pai chegou a ser preso na época da ditadura e dedicou boa parte da sua vida profissional e acadêmica debatendo os avanços políticos e sociais do Brasil.

Já quando adolescente, pude testemunhar a implementação de planos econômicos fundamentais para o desenvolvimento da nação, assim como ações bem-sucedidas para a redução da pobreza extrema, para a ampliação do acesso à educação básica e à saúde digna.

Em minha vida adulta, as conquistas da sociedade brasileira passaram a estar ainda mais presentes em minha vida. Me formei na universidade, me tornei mestre em Ciências Sociais e decidi trilhar o caminho do fortalecimento das políticas públicas, atuando no terceiro setor, e tenho tido o privilégio de trabalhar com gestores, especialistas e organizações comprometidas com o impacto e interesse públicos. Experiências bem-sucedidas nesse sentido não faltam. O Brasil pode, sim, dar certo.

O digital como saída

Falando especificamente da transformação digital nos governos, tema que é tratado aqui no blog e que está presente todos os dias da minha vida, os motivos para acreditar em um Brasil que já dá certo são ainda maiores: avançamos muito e temos perspectivas muito animadoras pela frente. 

Temos observado como os gestores públicos estão cada vez mais abertos à transformação digital. Antes um tema isolado e uma preocupação de alguns poucos, a digitalização de serviços passa a ser uma agenda prioritária para diversas cidades do país.

Esse movimento acontece seja porque já percebemos que as tecnologias digitais trazem maior eficiência e qualidade à atuação do setor público, mas  também porque há uma demanda dos cidadãos: queremos, cada vez mais, um governo que seja acessível, simples e rápido. Para isso, os serviços digitais devem ser uma realidade cada vez mais presente no setor público.

Também testemunhamos um fortalecimento da pauta govtech no Brasil. Segundo o relatório “Índice GovTech 2020”, produzido pelo Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), o Brasil ocupa o 4o lugar, entre 16 países, no desenvolvimento de seu ecossistema govtech.

Startups, pequenas e médias empresas, antes descrentes na possibilidade de ofertar produtos e serviços B2G (Business to Government), hoje têm enxergado o governo como um potencial parceiro e cliente. E o mais importante: estando à frente do BrazilLAB há 4 anos, acompanho o dia a dia de milhares de empreendedores govtech e, entre eles, há um profundo senso de propósito e comprometimento com o interesse público. 

E como tenho discutido aqui, podemos esperar muito mais a partir de agora. A pandemia de covid-19 trouxe diversos efeitos não esperados,  e um deles, certamente, é a aceleração da transformação digital dos governos. Mudanças que antes demorariam anos para acontecerem, foram implementadas em questão de dias ou semanas –por exemplo, o pagamento do auxílio emergencial e a digitalização do Poder Legislativo. Se conseguirmos manter essa onda positiva de transformação, conseguiremos avançar ainda mais na digitalização de serviços públicos.

Não é exagero dizer que o Brasil pode se tornar uma importante referência na agenda de governo digital, fazendo parte do seleto grupo de nações — como Estônia, Portugal, Reino Unido, Uruguai — que já adotaram as soluções tecnológicas como políticas estruturantes de Estado.

Momento sombrio

Mas minhas reflexões motivadas pelo aniversário de nossa independência mostram que estamos muito longe de um cenário redentor, em que o Brasil deixa de ser a promessa de uma nação do futuro, para se tornar a realidade no presente. Há anos vemos o declínio de nossas estruturas democráticas, com instituições e atores atentando, todos os dias, contra aquilo que construímos com tanto afinco e zelo.

Nos últimos meses, tem sido difícil enxergar o futuro do Brasil e acreditar que de fato podemos superar todos os desafios. A crise trazida pela covid-19 parece escancarar todos os aspectos mais sombrios e difíceis de sermos brasileiros.

Para onde quer que olhemos, vemos exemplos concretos do desastre na condução da crise: não temos articulação política entre governo federal, estados e municípios; os escândalos de corrupção se avolumam em um cenário no qual o dinheiro público deveria ser usado de maneira cautelosa e, sobretudo, eficiente; políticas públicas estratégicas são conduzidas com base no “achismo”, e não na ciência; e, o pior, a sociedade está absolutamente desamparada economicamente, se vê confusa frente a orientações contraditórias e não tem a menor esperança de quando e como todo esse tormento poderá passar.

Ser brasileiro é também ser resiliente (Pixabay)

Resiliência

Meu texto de hoje pode soar como pessimista ou resignado. Mas esses são sentimentos que não tenho e nunca tive em relação ao nosso país. Somente com esperança e convicção na possibilidade de dar luz ao Brasil que dá certo e no poder da mudança poderia ter construído uma carreira de 20 anos no terceiro setor, tendo também empreendido meu próprio projeto, criando o BrazilLAB, o primeiro hub govtech do Brasil, que se dedica a conectar gestores públicos engajados e startups que tenham o propósito de impactar positivamente o governo.

Eu sempre acreditei e continuo acreditando no Brasil. É esse o país que me faz querer continuar. Mas há dias, especialmente tão simbólicos como o 7 de setembro, em que a urgência toma conta, assim como o sentimento de impotência em ser brasileiro. Há muito o que ainda caminhar. Há muitas dívidas que precisam ser sanadas. Há conquistas fundamentais que precisam se materializar. E, principalmente, há muito o que fazer hoje para impedir que retrocessos continuem a acontecer.

Nunca foi tão importante investirmos no diálogo, sobretudo, entre aqueles que são e pensam diferente entre si. Reconhecer a humanidade do outro e buscar construir a partir daquilo que enxergamos como semelhanças –ao invés de brigar por aquilo que é diferente– deverá ser a principal estratégia para que possamos superar a crise atual e pensar o Brasil que queremos e merecemos para o futuro.

Como nação, trilhamos um caminho com muitos desafios, derrotas e também conquistas. Como cidadã, alguém que nasceu em plena aurora da redemocratização, tinha a esperança de que essa história pudesse também trazer aprendizados que nos permitissem construir um futuro muito diferente do passado e do presente.

Como mãe de três crianças, tenho a urgência de construir um país digno para todos e todas pois, somente assim, terei a certeza de que esse será um melhor lugar para meus filhos.

Nos últimos meses, expandimos o nosso vocabulário e aprendemos novos conceitos para explicar o desafio que temos vivido: média móvel, taxa de contaminação, platô, isolamento social. Mas uma dessas novas palavras que passaram a integrar o discurso de muitos é “resiliência”. Ela nasce da física, para descrever a capacidade que alguns corpos têm de voltar à sua forma natural mesmo depois de terem sido submetidos a alguma pressão.

Resiliência, em seu sentido figurado, deveria também ser a característica definidora de todos os brasileiros: mesmo nas adversidades, quando tudo parece confuso, nos adaptamos e conseguimos seguir, criando beleza e construindo sonhos. Por isso, eu também, sigo.

]]>
0
Por que devemos substituir o foco em crescimento econômico por prosperidade http://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/08/29/dia-de-sobrecarga-da-terra-reforca-importancia-de-um-novo-desenvolvimento/ http://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/08/29/dia-de-sobrecarga-da-terra-reforca-importancia-de-um-novo-desenvolvimento/#respond Sat, 29 Aug 2020 07:00:32 +0000 http://govtech.blogosfera.uol.com.br/?p=1010

Nattanan Kanchanaprat/ Pixabay

A humanidade vivenciou um marco muito importante, mas que pode ter passado despercebido: o Dia de Sobrecarga da Terra, no último sábado, 22 de agosto. A partir desse momento, passamos a consumir mais recursos naturais e serviços ecossistêmicos do que o nosso planeta Terra é capaz de regenerar em um ano. Literalmente, estamos vivendo “no crédito”. 

Um ponto interessante, no entanto, é que este ano o Dia de Sobrecarga da Terra aconteceu três semanas mais tarde do que em 2019. Se você acha que a pandemia de coronavírus tem algo a ver com isso, você está coberto de razão. 

Como discuti aqui, a pandemia tem sido efeito e também causa quando o assunto é meio ambiente: ela nasceu em função de nosso comportamento e suas restrições têm gerado mudanças em nossas dinâmicas econômicas e sociais, reduzindo os indicadores de poluição em diversas cidades do mundo, inclusive no Brasil.

As regras para conter o avanço do vírus, principalmente, o isolamento social, nos mostram como nossas atividades econômicas impactam o mundo em que vivemos: no momento em que reduzimos nosso consumo desenfreado, nossa mobilidade e a pressão sobre os recursos naturais, vemos como o planeta pode se recuperar e voltar ao seu equilíbrio original. 

Embora os resultados possam ser animadores, especialistas indicam que eles não terão a escala ou a durabilidade necessárias para reverter o cenário de mudanças climáticas que ameaça a nossa própria existência no planeta Terra. As três semanas que ganhamos em relação ao Dia de Sobrecarga da Terra precisam se expandir, permitindo que o planeta tenha o tempo necessário para se regenerar.

Essa equação parece simples, mas todos sabemos que não é. Na escolha entre os pólos econômicos e ambientais, quase sempre pendemos para o primeiro: queremos crescer, expandir, gerar riquezas financeiras, garantindo um patamar de consumo de massa que está sempre em ascensão. 

Mas esse é o único fim que devemos (e podemos) almejar? Ou há um outro cenário em que o equilíbrio entre pessoas, natureza, economia e desenvolvimento das nações pode ser uma realidade? 

Cada vez mais pessoas –especialistas, governantes, jovens e empresas– acreditam que sim.

“Uma economia saudável deve buscar a prosperidade – e não o crescimento”

A frase acima não é de minha autoria. Ela foi dita em 2018 por Kate Raworth, professora das Universidades de Cambridge e Oxford. A princípio, ela pode soar dura, até mesmo absurda. Afinal, a maioria das pessoas que hoje habita a Terra faz parte de gerações para as quais o crescimento econômico é o objetivo. 

Os países são medidos pelo seu Produto Interno Bruto. As plataformas de políticos precisam ter um desenho que agrade ao setor econômico e, recentemente, vimos como esse mantra ficou ainda mais evidente: na luta contra a pandemia, salvar vidas ou garantir o crescimento econômico se tornou a principal questão do debate público. 

Se torna difícil, é verdade, pensar em um cenário no qual o crescimento econômico não seja o principal –por vezes, único– indicador de sucesso de uma nação. Segundo Raworth, somos socialmente, politicamente e economicamente “viciados” no crescimento: o desejamos sempre, a qualquer custo, sendo ele o grande motor da nossa felicidade. Estamos em um avião que está sempre subindo. Mas a pergunta que fica é: quando e como será possível pousar?

É verdade que o crescimento econômico trouxe prosperidade para bilhões de pessoas mas, ao mesmo tempo, gerou desigualdades abissais e uma relação com o planeta que é degenerativa e desestabilizante. 

Para Raworth, precisamos ter uma nova ambição, a de gerar prosperidade. Em suas palavras: “o grande desafio do século XXI será o de atender a todas as necessidades das pessoas considerando os recursos de nosso planeta que é único, de modo que todas as criaturas possam prosperar”. 

É hora de termos uma nova ambição

Essa ambição não pode somente ser guiada por um ímpeto de crescimento ininterrupto e insustentável. O caminho da prosperidade implica em defender o equilíbrio dinâmico entre os diversos recursos naturais e os fatores que garantem uma vida digna para todos –acesso à saúde, educação, alimentação, saneamento básico etc.

Segundo Kate Raworth, será preciso garantir sistemas políticos, econômicos e sociais que sejam regenerativos e distributivos por natureza. E o uso de tecnologias é um pilar fundamental para que esse cenário seja alcançado.

Há muitas experiências mostrando como isso pode se tornar realidade. Já tive a oportunidade de conhecer e falar diversas vezes sobre elas aqui no blog e, atuando no BrazilLAB, primeiro hub GovTech do Brasil, observo como esse movimento só se amplia ano após ano. 

startups atuando para resolver o problema do saneamento básico, criando soluções que transformam resíduos poluentes em energia; agritechs aproveitando os espaços das cidades para construir fazendas urbanas, eficientes no uso da água e quase independentes dos agrotóxicos; edtechs que ampliam as oportunidades de estudantes acessarem conteúdos educacionais; healthtechs que democratizam o acesso à saúde; urban and city techs que ajudam a fazer uma gestão inteligente das cidades; e a lista, por sorte, não para por aqui. 

No mundo novo, as tecnologias que hoje já têm transformado o nosso modo de viver serão ferramentas para a prosperidade de todos e todas.

You may say I’m a dreamer…

Pode parecer que toda essa ideia de prosperidade é utópica e distante. E é compreensível que assim seja. Mas o primeiro passo já foi dado: a transformação não somente é necessária, mas tem sido desejada pelas pessoas. 

As novas gerações, dos meus filhos e sobrinhos, de Greta Thunberg e tantos outros jovens inspiradores, estão nos mostrando o caminho. Eles estão abertos a outros modelos de vida, no qual o consumo não é cultuado, a preservação da natureza é um bem valioso e a prosperidade de todos é buscada acima do crescimento econômico de alguns poucos –esse é um tema que tenho discutido bastante em minhas redes sociais

E esse desejo de mudança já está mostrando impactos, no bolso das empresas, inclusive: segundo pesquisa do Ibope, 62% dos consumidores afirmam que já boicotaram marcas ou empresas por questões como violações a direitos trabalhistas, testes ou maus tratos a animais e crimes ambientais. Vivemos um momento de despertar. E já não há mais volta. 

]]>
0
Não temos cultura de segurança de dados, e poder público pouco ajuda nisso http://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/08/22/seguranca-de-dados-pessoais-desafio-que-ainda-persiste-no-brasil/ http://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/08/22/seguranca-de-dados-pessoais-desafio-que-ainda-persiste-no-brasil/#respond Sat, 22 Aug 2020 07:00:00 +0000 http://govtech.blogosfera.uol.com.br/?p=996

Dados são o novo petróleo. Precisamos aprender a cuidar desse bem valioso (Freepik)

Você já deve ter ouvido a frase “data is the new oil”, ou “dados são o novo petróleo”, atribuída ao matemático Clive Humby. Ela é uma das grandes verdades desde que a transformação tecnológica tomou conta de nossa sociedade a partir da Revolução 4.0.

Se analisarmos esse pensamento, ele se mostra absolutamente preciso e atual: as informações produzidas de maneira ininterrupta e em volumes colossais são a maior commodity de nossa sociedade. Sem elas, a maior parte dos avanços tecnológicos que tivemos –de big data, passando por inteligência artificial, business intelligence e machine learning– seriam impossíveis. Nossa capacidade de produzir informações, armazená-las, refiná-las –tal qual fazemos com o petróleo bruto, para fazer uma analogia com Humby– é o que nos permitiu avançar tanto e de forma exponencial nos últimos anos.

No contexto de pandemia, a importância de dados mostrou sua relevância prática. Hoje eles fazem parte da nossa vida –indicadores de saúde e economia, por exemplo, são notificados todos os dias– e também fazem parte do trabalho de gestores públicos, que nada conseguiriam fazer sem ter acesso às informações sobre a capacidade de leitos, número de infectados e as projeções tão preciosas que hoje guiam os esforços de reabertura e retomada das cidades brasileiras. Sem dados e as evidências que eles trazem, estaríamos em uma desvantagem descomunal frente a uma ameaça invisível. São os dados e o seu uso estratégico que nos permitem tomar decisões que sejam informadas e não fruto da mera intuição ou do “achismo”.

Mas como quase tudo na vida, há uma face perigosa: a ampliação do uso de dados também tem seus desafios, o principal deles a segurança das informações. Paradoxalmente, esse é o tema que mais nos impacta diretamente e talvez seja o que menos tomamos ações práticas.

De maneira geral, somos desdenhosos em relação à proteção de nossas informações pessoais: publicamos dados nas redes sociais, aceitamos termos de uso sem conhecer, de fato, suas condições e não nos importamos em fornecer nosso CPF em um “inocente” cadastro para conseguir algum desconto. Eu mesma já relatei aqui no blog a minha experiência e reflexão sobre a importância de estarmos no controle do nosso “eu digital“.

Muitas vezes não temos a dimensão de como essa postura despretensiosa em relação à segurança de informações na internet, especialmente quando falamos de dados de indivíduos publicados em redes sociais, pode ter. Acreditamos, ingenuamente, que nossa identidade digital em nada pode impactar na pessoa que somos no mundo real. Ledo engano: já passou da hora de reconhecermos a importância da segurança cibernética e da responsabilidade que todos temos em relação às informações pessoais.

Nos dias atuais

Os dados são uma fonte inesgotável de riqueza. Não há limites para sua criação e há organizações especializadas em seu armazenamento e tratamento. Todos estamos envolvidos em sua produção e, assim, todos somos também responsáveis pela segurança dos dados que estão no ambiente online.

A preocupação com o tema tem crescido exponencialmente. Segundo o Unysis Security Index de 2020, pesquisa referência no tema divulgada no início de julho, 99% dos mais de 15 mil respondentes têm medos relacionados à segurança, incluindo segurança de informações pessoais. Os países em desenvolvimento são, comparativamente, mais preocupados com o tema do que os países desenvolvidos.

No ranking, o Brasil ocupa o 7º lugar entre 16 países, com um score de 197 pontos do total de 300 –a média global é de 175. Em nosso país, a preocupação com a segurança na internet atingiu 200 pontos em 2020 –somos a única nação participante da pesquisa em que esse indicador sofreu aumento. O medo não é infundado: no contexto da pandemia, segundo o levantamento, o número de ciberataques subiu 124% entre os meses de fevereiro e março.

As instituições governamentais são produtoras de dados de todos os cidadãos de um país. São responsáveis por salvaguardar essas informações, garantindo que não serão vazadas e utilizadas de maneira ilegal. Mas a verdade é que o setor público ainda precisa trilhar um longo caminho para garantir, primeiro, a segurança das informações pessoais e, segundo, que elas serão utilizadas de maneira estratégica para informar as decisões e as políticas públicas. Seguindo a analogia do petróleo, o governo têm uma fonte inesgotável desse bem, mas poucas condições práticas para garantir o seu “refinamento”.

As empresas privadas também têm o seu papel. Ao serem detentoras de informações de seus clientes, precisam se comprometer com boas práticas de uso das informações, reconhecendo tratar-se de um ativo absolutamente sensível. Exemplos muito recentes mostram a importância da proteção de dados pelas empresas.

Acompanhei com pesar a história da menina de apenas 10 anos que foi violentada pelo tio. De maneira criminosa, seus dados pessoais foram expostos em redes sociais e ficaram mais de 24 horas disponíveis para acesso (e escrutínio) de milhões de pessoas. O resultado foi concreto e veloz: uma onda de protestos, exposição e novos crimes contra uma vida que já está marcada pela violência profunda que viveu. Um exemplo claro de como a vida online está conectada com o mundo físico.

O governo também tem sido pouco ativo na proteção dos indivíduos e na regulação efetiva do uso de informações, especialmente nas redes sociais. Ainda que tenhamos uma legislação específica para salvaguardar informações pessoais, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), sua vigência ainda está longe de ser uma realidade –e a pandemia atrasou ainda mais essa realidade. Os cenários de implementação da LGPD são cada vez mais nebulosos e pouco precisos. Mesmo com o Marco Civil da Internet, temos um verdadeiro “limbo” jurídico quando se trata do tema de segurança de dados pessoais no ambiente digital.

Ninguém está seguro até que todos estejam

A combinação entre a falta de uma atuação presente das instituições públicas, da baixa responsabilização por parte das empresas e do comportamento individual gera um problema muito real: não temos uma cultura de segurança de dados no ambiente cibernético. Sem essa cultura compartilhada, não avançaremos de maneira democrática no uso das infinitas potencialidades que a internet e as redes sociais podem nos trazer.

No ano passado, tive a oportunidade de assistir a uma palestra de Edward Snowden, o “whistleblower” de um esquema de espionagem liderado pelo governo dos Estados Unidos –falei sobre a experiência do Web Summit aqui. Além de ressaltar a importância de que tenhamos uma preocupação cada vez maior em proteger os dados, garantindo que a coleta seja informada e ética e que as pessoas reconheçam o verdadeiro tesouro que produzem diariamente, Snowden foi enfático ao dizer que “ninguém estará seguro na internet, até que todos estejam”.

Não tenho dúvidas de que isso é verdade. O ambiente cibernético é uma extensão de nosso mundo físico e precisamos estar comprometidos em que eles sejam, ambos, seguros para todos e todas.

]]>
0