Por que precisamos ter mais mulheres na política brasileira
Letícia Piccolotto
17/10/2020 04h00
Ter mais mulheres na política é um passo fundamental para ampliar a igualdade de gênero (Giacomo Ferroni/Unsplash)
O título do texto já entrega a reflexão que quero trazer no texto desta semana. Estamos há menos de um mês das eleições municipais que definirão os mandatos para prefeituras e câmaras municipais para os próximos quatro anos. E precisamos ampliar a representação política elegendo mais mulheres para estarem à frente destes espaços de poder.
O Brasil tem um desempenho absolutamente vergonhoso quando analisamos a participação de mulheres na política. Embora tenhamos tido avanços fundamentais nos últimos anos, especialmente com medidas para ampliar o número de candidaturas femininas, somente 12,32% dos 70 mil cargos eletivos do país são ocupados por mulheres –o que resulta em exatos 8.624 mandatos.
Dados do Inter-Parliamentary Union para o ano de 2020 nos dão a dimensão de como o Brasil se comporta frente ao cenário internacional: na Câmara dos Deputados, 14,6desig% das vagas são ocupadas por mulheres, ao passo que no Senado, o percentual é de 13,6%. Com índices como este, ocupamos o mesmo grupo de países como Gabão (14,8%), Índia (14,4%) e Congo (12,8%).
Garantir a participação de mais mulheres na política é um desafio complexo. Por ser mais uma faceta da desigualdade de gênero, que é estrutural na esmagadora maioria das sociedades, soluções simples e pontuais não surtirão o impacto necessário e desejado.
É preciso investir em diversas ações, que sejam combinadas e efetivas para enfrentar o problema desde o seu início: a ideia socialmente partilhada de que as mulheres não precisam, podem ou sabem ocupar espaços de poder, especialmente na política.
Embora discutir o "como fazer" seja fundamental, hoje, quero compartilhar os 3 principais motivos pelos quais acredito que devemos eleger mais mulheres para a política. Isso porque, em alguns momentos e a respeito de algumas questões, é sempre fundamental reafirmar aquilo que é óbvio.
- Porque é uma questão de eficiência democrática
Nós compomos a maioria da população e do eleitorado brasileiro, mas somos a minoria em todos os cargos eletivos (presidente, prefeita, deputada, senadora e vereadora) de todas as esferas (governos federal, estadual e municipal) e poderes (executivo e legislativo). Esse é um evidente indicador do chamado déficit democrático: nossas instituições estão falhando em representar o perfil de seu eleitorado.
E reduzir o déficit democrático não é importante somente para garantir um número de assentos para representantes femininas. A baixa participação de mulheres tem influência nas políticas públicas –falarei disso adiante. Isso porque homens e mulheres têm problemas, perspectivas e propostas muito diferentes entre si. Como esperar que uma maioria masculina possa oferecer serviços públicos ou legislar sobre temas sobre os quais desconhecem?
Ninguém saberá melhor sobre a importância de combater a violência contra a mulher, garantir a licença maternidade e assegurar creches para todas as crianças do que aquelas que são mais afetadas por essas medidas. Mais mulheres na política significa também construir uma democracia que seja mais eficiente em representar as demandas de seus cidadãos e cidadãs.
- Porque mais mulheres na política é igual a ter melhores políticas públicas
Nós tivemos evidências recentes sobre esse fato. Países liderados por mulheres, tais como Alemanha, Nova Zelândia e Taiwan tiveram um desempenho muito superior no combate ao coronavírus –tenho discutido sobre isso em minhas redes sociais.
São líderes adaptativas, que combinaram visão de longo prazo, tecnologia, comunicação transparente e insights da economia comportamental para enfrentar os desafios trazidos pela crise.
Os resultados vieram rapidamente e são incontestáveis: a redução de casos e, por consequência, do número de mortes, conforme atesta pesquisa das Universidades de Liverpool e Reading.
Mas esse resultado positivo também está presente para além dos momentos de crise.
Analisando dados de 3.167 municípios brasileiros, entre os anos de 2000 a 2015, um estudo publicado na revista Health Affairs concluiu que quanto mais mulheres na política, menor é a taxa de mortalidade infantil.
É também na política que as mulheres têm a oportunidade de demonstrar a efetividade de sua liderança e atuação que beneficia a todos.
- Porque a participação política é fundamental para fortalecer a igualdade de gênero
Garantir que mais e mais mulheres possam ser eleitas é condição para avançar em uma sociedade igualitária para todos e todas. A participação política é tão fundamental quanto o acesso à educação, saúde e inserção econômica. Sem estarmos presentes nos espaços de poder em que decisões fundamentais sobre nossa vida são tomadas, não há como alcançar ou exercer a igualdade de gênero.
—
Termino minhas reflexões dessa semana com um chamado: segundo o relatório publicado em dezembro de 2019 pelo Fórum Econômico Mundial, o "Global Gender Gap Report", que analisa as dimensões de gênero em diversos países, se mantivermos as condições atuais de temperatura e pressão somente alcançaremos a igualdade entre homens e mulheres em 99,5 anos.
Caso não façamos nada, nenhum de nós –inclusive eu e minhas duas filhas– poderá viver as oportunidades trazidas por um mundo mais igualitário. Empoderar politicamente as mulheres é uma medida fundamental para encurtar esse longo século. Mas a transformação precisa começar agora. Mais precisamente, no próximo dia 15 de novembro.
E fique de olho:
Em um blog sobre tecnologia, não podia deixar de mencionar algumas ações que buscam fortalecer a candidatura e a eleição de mulheres. Recomendo que você acompanhe as seguintes iniciativas:
- O Projeto "Eleitas", do Instituto Update;
- O #Vamos Juntas na Política;
- E o Me Representa.
Conhece mais alguma iniciativa? Compartilhe nos comentários!
Sobre a autora
Letícia Piccolotto é mestre em Ciências Sociais, especialista em Gestão Pública pela Harvard Kennedy School e fundadora do BrazilLAB, a única plataforma brasileira que conecta startups e governos para estimular a inovação no setor público.
Sobre o blog
Acelerar ideias e estimular uma cultura voltada para a inovação do setor público. Este é um blog para falar de empreendedores engajados em buscar soluções para os desafios mais complexos vividos pela sociedade brasileira.