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Web Summit 2019 deixa mensagem: tecnologia mudará, mas nossos valores não

Letícia Piccolotto

09/11/2019 04h00

O Web Summit 2019 é uma oportunidade de conhecer pessoas de diferentes países, com trajetórias singulares e que contribuem com soluções e com o debate a respeito da Revolução Tecnológica. Crédito: Letícia Piccolotto/UOL

Entre os dias 4 e 7 de novembro de 2019, a cidade de Lisboa, em Portugal, se transformou na capital mundial da tecnologia. O Web Summit, evento anual que ocorre desde 2016 no país, reuniu os principais atores do ecossistema de tecnologia, inovação e empreendedorismo do mundo. Os números impressionam: foram 70 mil participantes, 2.500 jornalistas, 1.200 palestrantes, 11.000 CEOs e mais de 160 países. Como fundadora do BrazilLAB, primeiro hub de inovação dedicado a conectar startups e governos, participei do evento e compartilho aqui no blog os principais destaques e aprendizados da experiência. 

No encerramento, o destaque foi a fala icônica da Margrethe Vestager, dinamarquesa, comissária da União Européia e líder dos principais embates sobre regulação das grandes empresas de tecnologia. Em sua perspectiva a tecnologia sempre mudará, mas os valores da humanidade não. Dessa forma, precisamos reproduzir no mundo digital o que já foi debatido e entendido como aceitável pela humanidade: "Por que no mundo digital não valem as mesmas regras? Por que podemos reproduzir mentiras e ódio sem nenhuma consequência?".

Em sua opinião, temos que garantir que a regulação da tecnologia não fique olhando só para trás e sim proponha caminhos e arranjos que garantam o futuro. E mais: a tecnologia – e as empresas que a ofertam – deverá estar a serviço da humanidade, e não o contrário.

A estrutura do evento foi impressionante. O clima era de festival de música, com jovens do mundo todo apresentando as suas startups, trocando informações sobre o futuro da internet e fazendo networking com grande investidores. No palco principal podiam estar presentes até 50 mil pessoas. As atividades paralelas aconteciam em outros 23 palcos, abordando temas dos mais diversos: veículos autônomos, saúde, finanças, música, marketing, inteligência artificial, robótica, moda e esportes – apenas para citar alguns. 

O Web Summit 2019 foi surpreendente pelas mais diversas perspectivas. Uma delas me chamou especialmente a atenção: a relevante presença de mulheres no evento. Segundo dados da organização, representamos 46,3% do total de participantes. Um cenário bastante diferente daquele observado no mundo da tecnologia, em que as mulheres constituem uma minoria de profissionais, empreendedoras e pesquisadoras. Considero este um marco positivo de que o cenário da tecnologia – finalmente – começa a mudar. Pelo menos na Europa. 

Além disso, outro fato marcante foi a pluralidade de opiniões e perspectivas. Um dos principais keynotes do evento foi Edward Snowden, ex-membro da CIA, que tornou público o programa de vigilância global realizado pelo órgão. Desde 2015, ele vive exilado na Rússia, de onde participou por videoconferência do evento. Snowden respondeu a várias perguntas ao longo de sua fala. A primeira delas, sobre sua motivação para vir a público revelar sobre a coleta de dados indevida realizada pelo governo americano. Ele respondeu que, como funcionário público, jurou respeitar a Constituição Federal de inimigos externos e também domésticos. Em sua avaliação, a "espionagem" realizada em seu trabalho representava exatamente um destes inimigos: "O que fazer quando a instituição mais poderosa da sociedade se torna a menos confiável para a sociedade? Esta é a questão que a nossa geração existe para responder", disse ele.

A fala de Snowden abordou um dos principais desafios existentes no contexto da transformação digital: a coleta e o armazenamento de dados dos cidadãos. Este tema também foi tratado em meu último post aqui no blog, no qual discuti a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A segurança de dados pessoais deve estar cada vez mais presente nas discussões técnicas e políticas, a medida em que avançamos no uso de tecnologias. É tempo também de que este debate esteja presente em nossas conversas cotidianas, e que possamos ser mais protagonistas e cuidadosos com esse ativo que é tão valioso – os nossos dados.

Segundo Snowden, "temos que debater não só a proteção dos dados, mas a coleta deles. Esse é o principal desafio. A população não tem consciência de quanta informação está deixando quando utiliza a internet". Ainda, para concluir a sua fala, foi enfático: "Ninguém estará seguro na internet, até que todos estejam". 

As palestras dos dias seguintes trataram de temas igualmente interessantes e atuais. Pude assistir à uma mesa de mulheres empreendedoras na tecnologia; a apresentação da startup 501CThree, um negócio social dedicado a garantir o acesso à água potável, e que tem grande potencial de impacto para resolver a crise hídrica que afeta diversas populações no planeta; a fala de Stephen Schwarzman, fundador e CEO da Blackstone, maior firma de investimento do mundo, com mais de 500 bilhões de dólares em ativos; a história de startups da Estônia, Austrália, Hong Kong e Colômbia, que compartilharam os desafios e potencialidades na criação de grandes unicórnios – startups avaliadas em mais de um bilhão de dólares – fora do Vale do Silício, nos EUA; também pude acompanhar palestras de representantes brasileiros muito conhecidos de nossa trajetória: Ronaldo Fenômeno e Ronaldinho Gaúcho compartilharam suas histórias de criatividade, empreendedorismo e inovação no mundo dos esportes.

No último momento, Paddy Crosgrave, CEO do Web Summit, e Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente de Portugal, reforçaram o recado já adiantado no primeiro dia, durante a abertura feita pelo Prefeito de Lisboa, Fernando Medina: o evento deve ocorrer no país pelos próximos dez anos.

Foi uma experiência única poder participar do Web Summit 2019, principalmente pela oportunidade de conhecer pessoas de diferentes países, com trajetórias singulares e que contribuem com soluções e com o debate a respeito da Revolução Tecnológica que estamos vivendo atualmente. Ainda assim, é preciso confessar: mesmo que a atuação do governo tenha estado presente, indiretamente, em quase todas as atividades do evento, seria muito importante ter uma agenda específica abordando o papel das Govtechs. Essa pauta infelizmente não estava representada no evento. Fica aqui a expectativa de que este possa ser um tema presente nas próximas edições. Ainda há muito por vir!

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Sobre a autora

Letícia Piccolotto é mestre em Ciências Sociais, especialista em Gestão Pública pela Harvard Kennedy School e fundadora do BrazilLAB, a única plataforma brasileira que conecta startups e governos para estimular a inovação no setor público.

Sobre o blog

Acelerar ideias e estimular uma cultura voltada para a inovação do setor público. Este é um blog para falar de empreendedores engajados em buscar soluções para os desafios mais complexos vividos pela sociedade brasileira.