Influencer consciente pode ser o novo normal da internet pós-pandemia
Letícia Piccolotto
20/06/2020 04h00
Influenciadores digitais ainda estão na moda, mas sua atuação deve ser muito diferente (Freepik)
Você que está lendo esse texto certamente já deve ter visto ou compartilhado alguma live durante o período da pandemia. Não há escapatória. A oferta tem sido grande, constante e diversificada, atende aos diversos gostos, de música à discussões sobre espiritualidade e política.
O fenômeno das lives tem sido uma transformação na gigantesca indústria da música e entretenimento. O adjetivo não é à toa: segundo a consultoria PwC, no Brasil, o setor deve gerar uma receita de US$ 43,7 bilhões em 2021 – são US$ 2,23 trilhões em todo o mundo. Nenhuma empresa – inclusive organizações públicas – pode ignorar que a comunicação, especialmente através das redes sociais, é um ativo estratégico e fundamental para o sucesso do bem ou serviço que se deseja ofertar.
E se a comunicação é a "menina dos olhos" de qualquer marca, os influenciadores digitais (ou influencers, como também são conhecidos) viraram o personagem principal dessa narrativa: são eles que divulgam produtos e serviços, mostrando experiências reais que se conectam com o dia a dia das pessoas.
Mas a pandemia de coronavírus representou um divisor de águas para o universo do marketing de influência – área em que se situam os influenciadores digitais. Se antes era fácil compartilhar e incentivar a compra de viagens, cosméticos, roupas e serviços de beleza, todos esses produtos perdem a percepção de valor e importância no contexto em que o isolamento social, incertezas sobre o futuro e, mais concretamente, as restrições econômicas estão presentes todos os dias e para muitas pessoas.
Mas nem de longe esse será o fim dos influencers. Como em quase todas as áreas, devemos encontrar um novo normal passado o período agudo da pandemia. E arrisco a dizer que a nova "versão" tem tudo para ser ainda melhor.
O que mudou?
Antes da pandemia, estávamos acostumados a acompanhar o trabalho dos influenciadores digitais, especialmente como pessoas que combinam três elementos principais: conectividade, vida cotidiana e informalidade. Com a pandemia muitas mudanças para o trabalho dessas pessoas acabaram acontecendo. E também colocaram em xeque a atuação dessas figuras. Essas transformações vieram em "ondas", uma levando à outra.
Inicialmente, surgiu a necessidade de se reinventar. Com mais pessoas na internet – estimativas apontam que o engajamento em redes sociais aumentou em 61% durante o período da pandemia – há uma busca maior por conteúdos que não estejam relacionados às compras. Isso por si só já representou a primeira mudança: afinal, como alterar a narrativa de um influenciador que tem como base a divulgação de viagens? Ou roupas? Ou equipamentos de ginástica?
Essa nova realidade tem demandado a necessidade de rever conteúdos e estratégias de inserção nas redes sociais. Alguns influenciadores foram bem sucedidos, mas outros, nem tanto. O resultado, quase sempre, chegava imediatamente: perda de seguidores ou de contratos comerciais com marcas que representavam.
Isso leva ao ápice do que, acredito, estamos vivendo no momento. Há sinais de que uma nova fase pode estar surgindo: uma busca por conteúdos que sejam significativos, responsáveis – economicamente, socialmente e ambientalmente – e que se conectem com a realidade das pessoas de maneira verdadeira. E isso indica para a possibilidade de um novo momento para o trabalho dos influenciadores.
Nova era?
Por mais que se queira dizer o contrário, o mercado não está saturado para os influenciadores digitais. Uma recente pesquisa publicada pelas agências Brunch e Youpix, que entrevistaram 164 marcas diferentes, aponta que 78,5% delas mantém a verba para marketing de influência mesmo no contexto da pandemia. Ou seja: esse continua sendo um mercado de valor e aquecido. Mas também não é possível dizer que as coisas serão exatamente como antes.
De um lado, as empresas buscam influenciadores que tenham "fit" com o propósito de suas marcas. De outro, o público está interessado em conteúdos que sejam significativos e verdadeiros – muito além do puro consumo.
Nesse movimento, acredito que há uma real possibilidade para o surgimento daquilo que chamo de influenciadores conscientes. São pessoas que se tornam referência na internet porque usam o seu espaço de fala para vocalizar pautas relevantes, atuais e com uma linguagem que é muito acessível e, principalmente, atrativa.
Temos visto como isso se manifesta especialmente no momento atual: Atila Iamarino, pesquisador brasileiro que tem sido uma referência técnica quando o assunto é coronavírus. Seu canal no Youtube já tem mais de um milhão de seguidores e ele contabiliza participações em programas de grande alcance na TV aberta. Se definindo como um "divulgador científico", Atila consegue "traduzir" pesquisas acadêmicas para uma linguagem que seja compreensível inclusive para quem não tem familiaridade com a academia. E há tantos outros exemplos desse movimento, especialmente de figuras que se envolvem em ações de combate à pandemia – quem não se lembra da #ficaemcasa?
E o mais interessante é que o trabalho dos influenciadores conscientes pode ser uma ferramenta fundamental para apoiar no combate às fake news.
A Organização Mundial de Saúde tem alertado para o fato de que vivemos uma infodemia, ou seja, uma epidemia de notícias falsas ou descontextualizadas. E para enfrentar esse problema, mais do que dizer a verdade e dar publicidade à informação, será preciso garantir que a forma como se faz isso seja simples, acessível e transparente.
E não há dúvidas de que os influenciadores digitais são referências em criar uma comunicação que possa engajar mais e mais pessoas. Eles podem ser atuantes no combate às fake news, expondo a importância do tema e divulgando novas formas de promover a checagem de informações. Essa será uma batalha fundamental e, embora o governo brasileiro tenha se recusado a aderir a um compromisso internacional assinado por mais de 130 países, 9 em cada 10 brasileiros acreditam na importância de uma legislação contra notícias falsas na internet, segundo recente pesquisa do Ibope.
É claro que um problema complexo como esse não pode ser combatido somente com o trabalho de influenciadores. Será preciso adotar outras estratégias, como regulação, soluções de inteligência artificial e muita educação digital. Mas não há dúvidas que uma mudança está em curso e que os influenciadores podem ser aliados valiosos.
Um convite
Dentro deste contexto, resolvi então utilizar o espaço da internet para promover conversas propositivas e positivas. Acredito que o papel de um influenciador digital deve ser cada vez mais consciente, passando pelo processo de fomentar diálogos construtivos a partir de uma escuta atenta e plural.
O projeto "Conversas para Inspirar" nasceu, então, com a ideia de discutir com colegas de diversas áreas a respeito do que temos vivido, como podemos aprender e repensar a nossa sociedade e o futuro a partir do advento da tecnologia.
Já tive a chance de conversar sobre o futuro da indústria do entretenimento com a Didi Wagner, sobre o papel do jornalismo e os desafios da maternidade em tempo de pandemia com a Pétria Chaves, e muitas outras conversas inspiradoras ainda estão por vir. Se você quiser acompanhar esse projeto, siga minhas redes. Estou certa de que a internet ainda pode ser um bom espelho da humanidade. Temos, todos, a responsabilidade de avançar nesse sentido.
Sobre a autora
Letícia Piccolotto é mestre em Ciências Sociais, especialista em Gestão Pública pela Harvard Kennedy School e fundadora do BrazilLAB, a única plataforma brasileira que conecta startups e governos para estimular a inovação no setor público.
Sobre o blog
Acelerar ideias e estimular uma cultura voltada para a inovação do setor público. Este é um blog para falar de empreendedores engajados em buscar soluções para os desafios mais complexos vividos pela sociedade brasileira.