Serviço público digital está longe da realidade brasileira? Não é bem assim
Letícia Piccolotto
30/05/2020 04h00
Agenda de digitalização de serviços públicos deve se fortalecer no Brasil (Freepik)
Quem esperava que 2020 fosse ser um ano para superar as expectativas, não poderia estar mais correto. A pandemia de coronavírus trouxe muitos revezes para todo o mundo, uma vez que se trata de um momento sem precedentes, e que tem impactado especialmente o Brasil. Por onde quer que analisemos, a crise tem alterado de maneira profunda as dimensões econômicas, sociais e políticas do país.
No Brasil, uma das principais mudanças se deu na transformação digital, dado que um universo de soluções tecnológicas precisou ser acelerado e incorporado em diversos setores. E são diversos os exemplos de como esse movimento tem se consolidado. Para que a economia brasileira não estacionasse, grandes, médias e pequenas empresas e até microempreendedores precisaram correr contra o tempo para se adequar a novos métodos de trabalho, outros tipos de serviços e até produtos. O perfil dos consumidores mudou drasticamente por conta da necessidade do isolamento social, fazendo com que a oferta digital crescesse.
A transformação digital também chegou para o universo do setor público, especialmente na saúde, com os atendimentos médicos sendo realizados com soluções da telemedicina. Se antes essa realidade parecia ser algo muito distante, hoje é possível realizar uma consulta de rotina online e ter acesso a laudos de exames independentemente de onde se esteja. Uma alternativa que pode ser fundamental em um contexto de alta demanda dos recursos de saúde e no qual também é preciso evitar aglomerações nos serviços públicos, como prontos-socorros, espaços onde há o risco de se contaminar com o covid-19.
A boa notícia é que a tendência de digitalização de serviços não deve retroceder mesmo com o fim da pandemia. Ao contrário, há muitos incentivos para que ela seja incorporada de maneira perene no cotidiano das mais diversas instituições públicas.
Agenda atual
A digitalização de serviços é uma bandeira defendida há tempos pelo BrazilLAB, na medida em que ela contribui para que a atuação pública possa ser mais efetiva, econômica e também atenda às demandas e expectativas de cidadãos. Em outras palavras, acreditamos que a interação com o governo deve e pode ser uma experiência positiva para os cidadãos, e para que isso aconteça, as soluções tecnológicas cumprem um papel fundamental.
Além de ter comprovada sua eficiência na economia financeira, a digitalização também traz mais qualidade aos serviços, além de possibilitar a integração, convergência, transparência, controle social e, principalmente, segurança e privacidade para os dados pessoais dos brasileiros. Todos só têm a ganhar com um governo que seja, cada vez mais, digital.
Em um contexto de sérias restrições fiscais que vivemos há anos, e que só deve se acentuar nos próximos meses, a adoção de tecnologias pelos governos pode também ser um investimento em prol da eficiência e economia de recursos públicos. Segundo o relatório Estratégia Brasileira para a Transformação Digital, publicado em 2018, o custo do atendimento online é muito menor em comparação com o atendimento presencial. Uma estimativa do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão aponta que o atendimento presencial tem um custo médio de R$ 43,68, enquanto o atendimento online pode chegar a R$ 1,20, ou seja, uma economia de mais de 97% em recursos públicos por transação.
O cenário é de avanços, com experiências sendo desenvolvidas por estados e municípios do país, mas ainda temos muito o que fazer: ocupamos a 44ª posição no ranking do Índice de Governo Digital das Nações Unidas (EGDI) – considerando o conjunto de 193 países participantes.
As ações tomadas agora serão fundamentais para avançarmos nessa agenda transformadora. E o mais importante é considerar que foco no cidadão, monitoramento e avaliação constantes, revisão de processos e integração de informações são os aspectos fundamentais para a digitalização do governo.
Digitalização inclusiva
Quando falamos em transformação digital no governo, é fundamental considerar a realidade e os desafios existentes no contexto brasileiro. E a pandemia de coronavírus expôs como a digitalização pode também reforçar as desigualdades sociais e a e-Burocracia.
Sendo assim, é imprescindível que a digitalização de serviços públicos seja acompanhada por estratégias que possam garantir a inclusão de mais e mais pessoas ao universo digital, ao mesmo tempo em que se é mantido um nível constante de oferta de serviços de forma presencial. Caso não seja garantido esse equilíbrio entre digital e "analógico" podemos correr o risco de negar a milhões de pessoas a oportunidade de acessar serviços públicos de qualidade.
É importante ressaltar, no entanto, que as duas dimensões não são excludentes entre si: ou seja, podemos e devemos avançar na digitalização de serviços públicos ao mesmo tempo em que garantimos o atendimento daqueles que não acessam os meios digitais. O governo deve ser, cada vez mais, uma plataforma para que cidadãos possam ter suas demandas atendidas, fazendo isso a partir de diferentes formas e modalidades da oferta. E tendo as tecnologias como aliadas para que o governo possa ser mais simples, eficiente e justo.
Sobre a autora
Letícia Piccolotto é mestre em Ciências Sociais, especialista em Gestão Pública pela Harvard Kennedy School e fundadora do BrazilLAB, a única plataforma brasileira que conecta startups e governos para estimular a inovação no setor público.
Sobre o blog
Acelerar ideias e estimular uma cultura voltada para a inovação do setor público. Este é um blog para falar de empreendedores engajados em buscar soluções para os desafios mais complexos vividos pela sociedade brasileira.