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Nudge influencia nossas decisões. Como o governo pode usar o empurrãozinho?

Letícia Piccolotto

25/01/2020 04h00

Nudge: uma importante inovação para apoiar as nossas escolhas (Pixabay)

Na hora do almoço as primeiras opções do buffet são saladas e pratos mais saudáveis; em todas as estações de metrô a mensagem "deixe a esquerda livre" aparece nas escadas; e sou sempre comunicada, via SMS, sobre a minha consulta médica que está próxima. As nossas decisões parecem estar sendo sempre observadas por alguém. São os nudges – e eles vieram para ficar. 

Nudge é um termo em inglês que pode ser traduzido como "empurrão" ou "incentivo". Ele foi utilizado pela primeira vez por Cass Sunstein e Richard Thaler, esse último vencedor do Prêmio Nobel de Economia, pesquisadores das ciências comportamentais aplicadas. Esse é um ramo da Economia que defende que as nossas decisões nem sempre são realizadas por escolhas racionais ou friamente calculadas. Ao contrário, elas são quase sempre influenciadas por padrões de comportamento, vieses cognitivos, emoções ou mesmo determinadas pelo ambiente em que vivemos e pelas pessoas com as quais interagimos.

E qual é o problema nisso? Bom, o fato é que esses elementos podem nos levar a não tomar as melhores decisões para nós mesmos ou para a nossa comunidade porque não tivemos acesso às informações relevantes que pudessem nos orientar sobre os impactos dessa nossa escolha, por exemplo.

Nesse contexto nasce o nudge, uma metodologia que permite entender o processo de escolha das pessoas, identificar questões existentes e proporcionar algumas mudanças, os "empurrõezinhos", na estrutura da tomada de decisão. São mudanças sutis que levam a um comportamento decisório mais previsível e positivo – sem limitar a autonomia e liberdade de escolha de cada um. Já aplicada no setor público, o nudge pode contribuir para a geração de transformações concretas mesmo nas escolhas mais simples e cotidianas. 

O nudge nas políticas públicas

O Reino Unido é referência no esforço de trazer o nudge ao setor público. Por lá, foi criada a primeira nudge unit governamental, ou unidade nudge, a chamada Behavioural Insights Team (BIT). Uma das experiências apoiadas pelo BIT foi desenvolvida pela organização GreeNudge, que busca reduzir o desperdício de comida em estabelecimentos comerciais. Para isso, adotaram duas estratégias: reduziram o tamanho dos pratos servidos e afixaram avisos informando que era possível repetir quantas vezes os clientes desejassem. Após implementação deste processo o desperdício de comida foi reduzido em quase 20% sem que houvesse qualquer impacto negativo na satisfação dos clientes.

 

Pixabay

O BIT, em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), também apoiou a elaboração de um kit de ferramentas com estratégias de nudge para apoiar governos no enfrentamento da violência doméstica, um grave problema que atinge quase 30% de todas as mulheres na América Latina e Caribe. 

Com mudanças de baixo custo e alta eficiência, foi possível aumentar o número de denúncias e o engajamento em diversos serviços públicos. Na central de atendimento de El Salvador,ao invés de batizá-la com termos como "apoio às vítimas" ou "auxílio às mulheres em situação de risco", o serviço foi chamado de "Linha amiga da mulher", nome com menor carga de preconceito ou estigma.

Um outro exemplo da aplicação de nudge foi relatada pela Bloomberg Philanthropies. Nos EUA, diversas cidades enfrentam um problema silencioso: os operadores da linha de emergência (a chamada 911) sofrem com esgotamento, desmotivação, faltas no trabalho e alta rotatividade. Para solucionar essa questão diretamente ligada à segurança pública, nove cidades implementaram um programa piloto em parceria com o BIT e baseado na metodologia nudge. 

Ao longo de seis semanas, a equipe do projeto pediu que os participantes escrevessem histórias de seu trabalho e também conselhos para novos operadores da linha de emergência. Uma iniciativa de baixo custo, que teve como base princípios do nudge e produziu resultados importantes: ao criar um forte senso de identidade de grupo e da importância do trabalho realizado, o projeto conseguiu reduzir 8 pontos na escala de esgotamento (chamada de burnout) – e esse resultado se manteve mesmo após 4 meses da intervenção.

No Brasil, a Fundação João Goulart foi responsável pela criação da primeira unidade de ciência comportamental aplicada às políticas públicas, a Nudge Rio. Um dos projetos implementados pela organização tinha como objetivo a redução de filas para a matrícula escolar. Para isso, foram realizadas alterações básicas no site, além do envio de mensagens de incentivo e conscientização para os pais. O processo resultou em um aumento de mais de 50% no número de matrículas realizadas online.

E há projetos sendo desenvolvidos por startups! A Movva, govtech acelerada pelo BrazilLAB, é a primeira empresa de nudgebot do Brasil. A solução consiste no envio de mensagens com conteúdos e atividades que buscam apoiar a tomada de decisões, seja no acompanhamento escolar dos filhos, com a Eduq+, seja para o planejamento de finanças pessoais, a partir do Poupe+. Em uma avaliação de impacto conduzida pela Universidade de Stanford, foram identificados os resultados da utilização do aplicativo: em São Paulo, houve um aumento da participação dos alunos de 15% e redução da taxa de reprovação e evasão escolar em 33%.

Estamos sendo controlados?

Há um grande debate ético envolvendo o uso de nudges. Seus críticos afirmam que a metodologia pode manipular a escolha das pessoas, especialmente considerando os desafios que vivemos nesses tempos de fake news.

Esse temor faz bastante sentido, mas deve ser entendido muito mais como um ponto de atenção para o uso responsável dos nudges nas políticas públicas. Uma boa estratégia não é tendenciosa e também não interfere no direito de escolha das pessoas. Ao contrário, ela influencia a arquitetura de tomada de decisão, transformando atos que seriam realizados de maneira automática em um processo de maior reflexão. 

As estratégias de nudge parecem ter vindo para ficar e influenciar diversas políticas públicas. Seus resultados são concretos, rápidos e com baixo custo: tudo o que precisamos para enfrentar os desafios do governo. 

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Sobre a autora

Letícia Piccolotto é mestre em Ciências Sociais, especialista em Gestão Pública pela Harvard Kennedy School e fundadora do BrazilLAB, a única plataforma brasileira que conecta startups e governos para estimular a inovação no setor público.

Sobre o blog

Acelerar ideias e estimular uma cultura voltada para a inovação do setor público. Este é um blog para falar de empreendedores engajados em buscar soluções para os desafios mais complexos vividos pela sociedade brasileira.