Lawtechs e Legistechs: estas empresas podem melhorar o poder público
Letícia Piccolotto
05/10/2019 04h00
A reflexão sobre a eficiência tem estado concentrada na atuação do Poder Executivo, mas a realidade é que esse princípio constitucional deve ser adotado para qualificar a atuação do Legislativo e Judiciário (Foto: Unsplash)
A eficiência é uma questão presente nas discussões sobre políticas públicas no Brasil. Para um país em desenvolvimento, com recursos escassos e em crise fiscal, sua existência é um indicador positivo sobre como a sociedade está mais consciente a respeito da responsabilidade do setor público em produzir o máximo de impacto utilizando para isso a quantidade adequada de recursos (sem desperdícios ou desvios).
É importante ressaltar: a eficiência vai além de executar um processo de forma mais sofisticada. Seu papel é aprimorar o que já é feito e gerar oportunidades, como reduzir custos, tempo de entrega e otimizar a mão de obra para que seja possível investir em outras ações. Esse deve ser um princípio para os municípios, estados e o governo federal. O momento atual é propício para a discussão sobre como utilizar os recursos escassos e limitados da melhor maneira possível; esse é um esforço que demanda estratégia e inteligência.
A reflexão sobre a eficiência, no entanto, tem estado concentrada na atuação do Poder Executivo, mas a realidade é que este princípio constitucional deve ser adotado também para qualificar a atuação do Legislativo e Judiciário, se considerarmos a importância de suas instituições para a democracia e representação da sociedade. Para exercerem essas funções, suas instituições possuem um número considerável de recursos humanos e financeiros.
Em 2018, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os órgãos do Judiciário – incluindo as instâncias federais e estaduais – contavam com pouco mais de 450 mil servidores, e um orçamento de, aproximadamente, R$ 93 bilhões de reais. Destes, cerca de R$ 2,2 bilhões foram classificados como despesa com "informática". Um outro indicador diz respeito ao número de processos ainda sem solução nos tribunais de todo o país: em 2018, R$ 78,8 milhões, de acordo com a publicação "Justiça em Números".
A Câmara dos Deputados e o Senado, do Poder Legislativo Federal, são responsáveis pelo diálogo e a representação da sociedade. Têm como uma de suas tarefas mais importantes a aprovação das leis orçamentárias que, em 2019, previram o valor aproximado de R$ 13,7 bilhões de reais para as emendas das casas legislativas. Para estimar o volume de trabalho realizado desde 1988, ano de aprovação da Constituição Federal, um estudo da FGV aponta que 80 mil proposições passaram pela Câmara dos Deputados ou ainda se encontram em tramitação.
Os números demonstram os desafios a serem enfrentados pelo Legislativo e Judiciário. Mesmo se considerarmos as especificidades das suas atividades fim, estas instituições podem se beneficiar da inovação e da tecnologia para ampliar a eficiência de sua atuação e promover mudanças disruptivas e estruturais. Neste cenário, entram em cena as soluções apresentadas pelas Lawtechs e Legistechs, startups que buscam contribuir para aprimorar os fluxos de processos internos, otimizar o trabalho desenvolvido pelo corpo técnico – como assessores, juízes ou parlamentares – e ampliar a transparência sobre os trâmites legais e institucionais, seus prazos e requisitos.
Considerando o papel do Poder Legislativo, a inovação deve estar presente como tema do próprio processo de construção das leis, integrando de maneira transversal as leis discutidas e aprovadas por essas instituições. Em outras palavras, há a possibilidade de promover o advocacy em prol das tecnologias nas políticas públicas. A experiência de Singapura, por sua vez, pode trazer inspiração para as mudanças necessárias ao Poder Judiciário.
Publicado em 2017, o documento "Legal Technology Vision" apresenta as diretrizes para a transformação do setor, com a definição de um roadmap com prazo de 5 anos. O plano tem implementação gradual, partindo da adoção de tecnologias já existentes, em um período de 12 a 18 meses, passando pela criação de novas tecnologias, após o quinto ano de implementação. Esta é uma iniciativa de Estado, que conta com a participação de vários atores: advogados, juízes e reguladores do governo.
No Brasil, as iniciativas voltadas à eficiência do Legislativo e Judiciário a partir do uso de tecnologias ainda são embrionárias. Em sua maioria, estão focadas na digitalização de processos, para o caso do Poder Judiciário, e na abertura de consultas públicas, como o e-Cidadania, no Senado Federal. Ainda assim, algumas ações têm buscado promover o debate sobre o tema, como o Atlas da Eficiência da Gestão Judiciária, do I3GS, uma análise sobre os tribunais de justiça que permite comparar as diferentes instituições em relação à eficiência e o LabHacker, o Laboratório de Inovação da Câmara dos Deputados, em Brasília, que incentiva o debate e implementação de tecnologias em colaboração com uma rede de parlamentares, servidores e da sociedade civil.
A adoção de tecnologias no Legislativo e Judiciário traria avanços importante para o registro integrado de dados, a utilização das informações de maneira estratégica, a eficiência alocativa de recursos e a transparência das ações. Atualmente, são diversas as tecnologias e soluções que podem apoiar este trabalho, por exemplo, o uso de data analytics, a integração de sistemas, a inteligência artificial e, por fim, soluções baseadas em machine learning e natural language processing. As estratégias são reais, diversas e aplicáveis aos mais diferentes contextos.
Soluções B2G com foco no Judiciário e Legislativo
Como parte do ecossistema de inovação de GovTechs, o BrazilLAB adotou o tema da eficiência na gestão pública como um dos desafios de seu Programa de Aceleração 2019, o quarto ciclo de uma iniciativa que já contou com a participação de mais de 650 startups. O programa está em busca de soluções e startups que possam responder a dois principais desafios: como gerar serviços mais eficientes a partir da automatização e digitalização de processos nos poderes executivo, legislativo ou judiciário e como startups podem apoiar o governo na diminuição de problemas como burocracia, gestão de pessoas e transparência. A busca por soluções para os três poderes públicos é uma inovação deste ciclo, já que os primeiros anos de aceleração tiveram como foco o Poder Executivo e, principalmente, soluções para os municípios do país.
Se adotada como princípio da gestão pública no trabalho desenvolvido pelas casas legislativas e instituições judiciárias, a eficiência pode concretizar a oferta de políticas efetivas. Para isso, as tecnologias e o pensamento inovador cumprem um papel primordial, permitindo uma aproximação entre estas instituições, tradicionalmente fechadas e distantes, e os cidadãos, de modo que a ação pública tenha como foco o atendimento de suas demandas.
Sobre a autora
Letícia Piccolotto é mestre em Ciências Sociais, especialista em Gestão Pública pela Harvard Kennedy School e fundadora do BrazilLAB, a única plataforma brasileira que conecta startups e governos para estimular a inovação no setor público.
Sobre o blog
Acelerar ideias e estimular uma cultura voltada para a inovação do setor público. Este é um blog para falar de empreendedores engajados em buscar soluções para os desafios mais complexos vividos pela sociedade brasileira.