Topo

Letícia Piccolotto

O que empreendedores do Brasil podem ganhar com o marco legal das startups

Letícia Piccolotto

24/10/2020 04h00

Marco legal das startups é uma legislação para acelerar o empreendedorismo no Brasil (NesabyMakers/Unsplash)

A semana começou com uma notícia muito positiva: o poder Executivo enviou ao Congresso Nacional o projeto de lei complementar para instituir o marco legal das startups e empreendedorismo inovador no Brasil

O marco legal das startups, como é conhecido, há muito é esperado por quem atua no universo do empreendedorismo.

Para se ter uma ideia do impacto que a legislação pode alcançar, um levantamento da Associação Brasileira de Startups (ABStartups) mostra que o número de empresas saltou de 4,4 mil em 2015 para mais de 13,4 mil em 2020 –crescimento de mais de 200% em 5 anos.

Contudo, outra pesquisa da entidade, desta vez em parceria com a Accenture, indica que a idade média de sobrevivência não chega a três anos. 

Embora o movimento de startups esteja em plena ascensão no Brasil, ele encontra um ambiente pouco receptivo e estimulante para que possa prosperar. O marco legal será decisivo para reverter esse cenário. E isso é especialmente verdade quando falamos das chamadas govtechs –startups que desenvolvem suas soluções tecnológicas para apoiar o setor público a enfrentar seus desafios.

Por que um marco legal para startups?

A resposta é bastante direta: o arcabouço legal que regula a atuação de empresas tradicionais no país impõe diferentes obstáculos para a constituição, atuação e, principalmente, o desenvolvimento dessas organizações. 

As startups, por definição, são empresas jovens, inovadoras e de base tecnológica. Por trabalhar em um cenário de grandes incertezas a partir de uma atuação disruptiva, elas têm um modelo de atuação muito particular, caracterizado pela experimentação, a tentativa –que acontece a partir de um Produto Mínimo Viável (MVP)–, o erro e a consolidação de experiência.

Mesmo com todos esses desafios, as startups são iniciativas com alta possibilidade de retorno, seja financeiro e, principalmente, de impacto. 

Dada essa natureza tão singular, é importante que a legislação nacional possa fomentar esse tipo de negócio. Ou seja, desburocratizar o acesso a componentes tecnológicos, criar uma tributação especial para o setor, digitalizar o processo de abertura de empresas, inclusive com modalidade de sociedade anônima simplificada.

Para se ter ideia do desafio, uma pesquisa realizada pelo BrazilLAB aponta que, no Brasil, o tempo médio para abertura de uma empresa é de 20 dias, enquanto que na Estônia, o mesmo procedimento dura três horas.

Também é fundamental que ela possa ampliar o acesso a crédito e investimentos, criando respaldo para a abertura de linhas de financiamento próprias em bancos, regulando a atuação de fundos de investimento em participações e, inclusive, facilitando o envolvimento de investidores individuais. 

Por fim, uma legislação que se proponha a fomentar a atuação de startups precisa prever mecanismos para fortalecer o ecossistema de tecnologia e inovação do país.

As duas frentes andam juntas: nações que se tornaram referência no surgimento de unicórnios –startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão– também são aquelas que mais investiram no desenvolvimento de tecnologia e inovação, fortalecendo a pesquisa e a formação de profissionais digitais. 

O marco legal das startups e as govtechs

Você já deve saber, mas não custa lembrar: as govtechs são startups que oferecem suas soluções inovadoras e tecnológicas para apoiar governos a enfrentar seus desafios nas mais diversas áreas – de segurança pública até a gestão do trânsito. 

O levantamento "As startups govtech e o futuro do governo no Brasil", realizado pelo BrazilLAB e o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), aponta que há 80 startups consideradas como mais relevantes, ou seja, aquelas que vendem de maneira consistente para governos ou atuam em parcerias com o setor público. Mas, no Brasil, esse é um mercado subaproveitado: ao menos 1.500 startups nacionais teriam potencial para serem govtechs.

O marco legal das startups também será fundamental para incentivar esse universo que é tão promissor. Isso porque a legislação pode enfrentar um dos maiores entraves à atuação conjunta de governos e startups: as compras públicas.

Os critérios, modalidades e instrumentos existentes para que o setor público realize suas aquisições foram definidos há quase 30 anos –com a aprovação da Lei 8.666/1993– e não respondem às características singulares de um processo inovador: a experimentação, o foco em resultados e a necessária agilidade. 

Embora a proposta apresentada pelo poder Executivo traga mecanismos que podem estimular as compras públicas de soluções construídas por startups –por exemplo, a realização de testes das soluções, a revisão de critérios para a escolha da proposta para priorizar a solução de maior impacto e não, exclusivamente, a de menor preço e o foco nos resultados esperados–, resta saber o quanto será possível avançar em um desenho final que, de fato, possa estimular a construção de soluções entre govtechs e setor público. 

Como disse no início, a notícia é positiva. Mas o processo só começou. Resta acompanhar seus desdobramentos e entender seus impactos para o ecossistema inovador de startups do país. 

Sobre a autora

Letícia Piccolotto é mestre em Ciências Sociais, especialista em Gestão Pública pela Harvard Kennedy School e fundadora do BrazilLAB, a única plataforma brasileira que conecta startups e governos para estimular a inovação no setor público.

Sobre o blog

Acelerar ideias e estimular uma cultura voltada para a inovação do setor público. Este é um blog para falar de empreendedores engajados em buscar soluções para os desafios mais complexos vividos pela sociedade brasileira.