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Letícia Piccolotto

Oportunidades na crise: 5 lições que aprendi com a pandemia de coronavírus

Letícia Piccolotto

22/03/2020 04h00

As crises também podem ser valiosas oportunidades para aprendizado (Freepik)

O coronavírus tem dominado a pauta das mídias internacionais e nacionais nos últimos dias. Toda a programação foi alterada para que seja possível transmitir a maior quantidade de informação segura e útil para o combate ao vírus. Uma medida responsável e valiosa quando a conscientização e prevenção podem representar a diferença entre saúde ou doença – e, no limite, vida ou morte. 

Mas não é somente nos jornais que a pandemia se transformou na pauta do momento. A disseminação do coronavírus é tema onipresente em quase todas as conversas que tenho tido nos últimos dias, seja com adultos, pessoas idosas, adolescentes – e também crianças pequenas, o que exige um cuidado especial para comunicar sem gerar trauma. 

Retomando minhas memórias, não consigo lembrar de ter vivido algo que tenha tido tamanha intensidade, participação e o envolvimento de todos os países do planeta. Ainda temos um longo caminho a trilhar, mas a visão de curto prazo nunca foi tão importante: as medidas tomadas nas próximas semanas serão decisivas para definir a saúde e o futuro de toda a população. 

Como alguém que trabalha com políticas públicas, tenho tentado analisar a situação atual em busca de aprendizados. Estou segura de que conseguiremos, coletivamente, superar esse momento de angústias e incertezas, e será muito importante compreender nossos acertos e todas as questões que devem ser aprimoradas, especialmente se quisermos pensar em estratégias preventivas e não somente reativas – como abordei no texto da última semana. 

E com esse olhar de que toda crise também gera uma oportunidade, compartilho as 5 lições que aprendi com a epidemia do coronavírus – pelo menos, até agora. 

1. A principal defesa contra a doença é a informação

Essa talvez seja a primeira epidemia que vivemos na era das fake news – o compartilhamento de mensagens falsas ou sem fonte confiável nas redes sociais ou celulares. São incontáveis as mensagens que já recebi até agora: seja de métodos mirabolantes e sem base científica que podem ser utilizados para combater a doença, até avisos alarmistas sobre os efeitos irreversíveis do coronavírus. 

Pelo menos no Brasil, as instituições públicas parecem ter identificado a importância de combater mais esse mal. O Ministério da Saúde, por exemplo, criou uma página específica para desmentir os absurdos que circulam sobre a doença. Além disso, lançou um aplicativo (Coronavírus SUS – disponível para Android e iOS) com diversas informações sobre o coronavírus – uma ferramenta importante e que pode ser acessada do celular

Outras fontes de informação seguras que tenho acessado são as atualizações da Organização Mundial da Saúde, os relatórios da Fundação Oswaldo Cruz, além da cobertura de jornais confiáveis a que temos acesso aqui no Brasil.   

Não custa repetir: compartilhar informações falsas ou que não tenham uma forte base científica compromete os esforços de combate à doença. No limite, podem criar pânico social, algo que não precisamos – e não podemos – lidar neste momento. 

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2. Não há receitas prontas para combater a pandemia. Ainda assim, podemos aprender (muito!) com outras nações

Não há "bala de prata" quando estamos falando de um problema complexo como a pandemia do coronavírus. Cada país, região ou cidade tem contextos e necessidades distintas – o que significa que nem tudo o que "deu certo" em determinado lugar também será válido em outro. 

Mesmo assim, precisamos reconhecer que alguns princípios de ação podem ser efetivos para atrasar, controlar e acabar com a doença. É o que têm mostrado os países nos quais o coronavírus chegou já no ano passado, como China, Taiwan e Coreia do Sul, e que têm combinado diversas ações: estratégias não farmacêuticas, uma efetiva coordenação entre diversos órgãos públicos, prevenção e uso aplicado de dados epidemiológicos.

As chamadas estratégias não farmacêuticas parecem ter sido muito importantes para "achatar" a curva de contaminação nesses países. São medidas como a testagem intensa, que permite identificar rapidamente os casos e, em conjunto com o distanciamento social, impedir que mais pessoas fiquem doentes. 

A OMS também tem reforçado a importância de estabelecer protocolos de investigação sobre a disseminação, severidade e impacto da doença. E mais: que essas informações sejam compartilhadas entre os países para que possam guiar medidas para enfrentar o vírus. 

Dentre essas ações, a testagem de possíveis indivíduos doentes talvez seja a mais importante – e por isso, destaco um aprendizado somente para ela.

3. "Testar, testar e testar"

No dia 16 de março, o diretor da OMS, Dr. Tedros Adhanom, trouxe uma mensagem bastante clara: os países devem "testar, testar e testar" todos e cada um dos casos suspeitos. 

A testagem é uma das principais estratégias para conter a disseminação dos vírus. Isso porque ela permite que as ações de saúde pública possam ser orientadas por evidências. Perguntas sobre os indivíduos doentes, como quem são, onde vivem e com quem tiveram contato, só são possíveis de serem respondidas com a identificação da maior quantidade de casos possível.  Sem a realização de testes em escala, é impossível rastrear de maneira adequada os casos e garantir o isolamento dos que contraíram o vírus. 

No Brasil, embora a ANS tenha determinado a obrigatoriedade de realização de exames pelos planos de saúde para a identificação dos infectados, eles não têm sido conduzidos de maneira intensiva. Os valores chegam a R$ 250 por teste e somente são disponibilizados com um pedido médico. 

Essa semana, vivi momentos de verdadeiro desespero, já que meu filho menor, de apenas 1 ano e 3 meses, apresentou todos os sintomas da doença. Ao acionar o sistema de saúde da cidade em que moro, percebi que sua capacidade já está estrangulada: diversos laboratórios não possuem mais o kit para teste e a orientação junto à rede pública de saúde é de somente avaliar pacientes internados em hospitais.

Após perambular por várias clínicas, consegui agendar a coleta para o dia 03/04 – daqui a 13 dias – e pelo valor de R$ 250 – absolutamente inacessível para a maioria esmagadora da população. 

A boa notícia é que a Fiocruz tem trabalhado para a produção de 30 mil testes que deverão ser distribuídos para laboratórios públicos e de referência em todo o país. Certamente precisaremos aumentar esse número, mas já temos um excelente e rápido começo. Há também startups desenvolvendo soluções para a testagem de casos, como a Hi Technologies, responsável pelo Hilab, que deverá estar disponível para compra a partir do mês de abril. 

Os testes são fundamentais: casos não detectados são a oportunidade perfeita para que o vírus possa ser disseminado e sofra perigosas mutações – não podemos deixar que isso aconteça. 

4. Inovação e tecnologia são grandes aliadas para atrasar, controlar e combater o covid-19

Diversos países têm adotado soluções inovadoras e de base tecnológica para enfrentar a pandemia, seja com o uso de robôs, o desenvolvimento de aplicativos de telemedicina ou a adoção de estratégias de nudge – algo que já discutimos aqui

Os bots de telepresença têm sido utilizados em hospitais da China, por exemplo, para garantir o monitoramento de pacientes, a entrega de medicamentos ou nas ações de desinfecção dos equipamentos públicos. É o que promete a solução da UVD Robots, um robô que remove bactérias e vírus de qualquer superfície sem que seja necessário contato humano para a limpeza. 

Outras experiências são os aplicativos de telemedicina, que permitem o atendimento médico remoto, limitando o contato com os doentes, as idas desnecessárias ao hospital, além de garantir a interação entre médicos de diferentes especialidades, que podem trocar conhecimentos e análises sobre casos compartilhados. 

Além disso, por estar disponível 24 horas por dia e 7 dias por semana, a telemedicina pode ser uma ferramenta fundamental para o acompanhamento psicológico da população – uma vez que temos também vivido uma epidemia de ansiedade. 

As ferramentas de telemedicina podem ser preciosas para os esforços contra o coronavírus, como mostra a Doctoralia. A startup tem atuado no Brasil e com sua ferramenta permite a busca e o agendamento de consultas com médicos de múltiplas especialidades. Com soluções como essa, é possível realizar um pré-consulta ou triagem: o médico avalia o paciente por vídeo, pergunta sobre os sintomas e orienta sobre a necessidade de procurar atendimento presencial ou não. 

Há países que têm adotado também insights da ciência comportamental para combater a epidemia. É o caso do Reino Unido que tem as estratégias de nudge como o centro de seu combate ao vírus. Elas são especialmente relevantes para conscientizar sobre o impacto do comportamento individual para o bem-estar coletivo: reduzir a ansiedade que tem nos atingido, construir uma percepção comum e realista sobre os riscos, além de reforçar a importância de medidas de higiene e de distanciamento social.

Não importa a perspectiva – a inovação e as tecnologias têm se mostrado fundamentais para garantir escala, responsividade e efetividade no controle da pandemia.

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5. Não estamos sozinhos: solidariedade, confiança e cooperação são requisitos para vencermos o vírus

Pode parecer uma ideia ingênua, mas a verdade é que não venceremos a crise atual sozinhos e isolados. Isso vale para as nossas relações pessoais, mas também para a dimensão coletiva, ou seja, entre lideranças políticas, institucionais e as nações. 

Temos visto a potência que a solidariedade, confiança e cooperação atingem quando juntas: pessoas idosas – e mais vulneráveis – têm sido gentilmente ajudadas por seus vizinhos nas atividades mais cotidianas, como ir ao supermercado; instituições de pesquisa compartilham os resultados de análises fundamentais para as estratégias de combate e prevenção; e nações que já passaram por experiências semelhantes compartilham seus aprendizados com o intuito de ajudar países com pouca prática ou recursos. 

É verdade que temos muitos e bons motivos para não confiar na ciência, nas instituições e nas lideranças políticas. Foram anos de comportamento irresponsável que comprometeu a imagem pública desses atores – mas o fato é que não podemos vencer sozinhos. É preciso minar todas as possibilidades de sucesso que a doença possa ter – e isso só pode ser feito com a solidariedade entre pessoas, com a confiança nas informações e a cooperação entre nações. 

Essa combinação não pode ser um desejo utópico, mas sim o conjunto de princípios fundamentais e práticos para combater um mal que atinge a todas as pessoas e que desconhece fronteiras ou hospedeiros específicos. 

Que possamos oferecer cuidado, nos cuidar e ficarmos bem ao longo deste desafio coletivo que temos vivido. 

Sobre a autora

Letícia Piccolotto é mestre em Ciências Sociais, especialista em Gestão Pública pela Harvard Kennedy School e fundadora do BrazilLAB, a única plataforma brasileira que conecta startups e governos para estimular a inovação no setor público.

Sobre o blog

Acelerar ideias e estimular uma cultura voltada para a inovação do setor público. Este é um blog para falar de empreendedores engajados em buscar soluções para os desafios mais complexos vividos pela sociedade brasileira.