Topo

Letícia Piccolotto

Como empreendedores estão buscando soluções para enfrentar o coronavírus

Letícia Piccolotto

14/03/2020 04h00

Tecnologia pode ser valiosa aliada na luta contra a pandemia do coronavírus (Freepik)

Nas últimas semanas, todos os países do mundo têm observado com grande preocupação o avanço das contaminações pelo covid-19. Desde o seu surgimento, na China, em dezembro, já foram quase 120 mil casos identificados e mais de quatro mil óbitos, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Os números apontam para um futuro extremamente complexo: a própria OMS declarou que a doença é agora uma pandemia. 

E esse cenário tem transformado a dinâmica de todo o planeta. Eventos internacionais foram cancelados, fábricas pararam suas linhas de produção, escolas e escritórios suspenderam as atividades e unidades de saúde se equipam para receber o fluxo de pessoas doentes que deve aumentar nas próximas semanas. 

O Brasil também entrou para o mapa de países com infectados pelo vírus. Os dados do Ministério da Saúde indicam mais de 1400 casos suspeitos, incluindo aqueles com transmissão local, ou seja, quando há contaminação entre indivíduos que não viajaram para fora do país. 

Medidas para frear, controlar e atrasar a disseminação da doença já vêm sendo tomadas, especialmente aquelas voltadas a fortalecer práticas de higiene e também o isolamento dos indivíduos doentes – a chamada quarentena. Acima de tudo, há uma grande expectativa em torno do desenvolvimento de uma vacina que possa trazer a cura – embora, segundo estimativas, isso deve ser uma realidade somente no ano que vem. 

Neste momento, é fundamental não subestimar a seriedade da doença e de seus efeitos, especialmente sobre o sistema de saúde dos países. Os especialistas em saúde pública têm reforçado a importância de "achatar" a curva de contágio ao longo do tempo. Fazendo isso, poderemos reduzir o "pico" da doença e garantir que hospitais terão as condições para atender a todos os doentes que precisam de atenção médica – sejam eles vítimas do covid-19, mas também, e talvez principalmente, de outras doenças que passam a "competir" pelos recursos existentes. 

Para apoiar esse esforço, empreendedores têm desenvolvido estratégias cada vez mais sofisticadas e de base tecnológica: de inteligência artificial até equipamentos para o diagnóstico da doença. Tudo isso para enfrentar um inimigo invisível e que traz impactos muito reais. 

Epidemias globais e as ações em curso

As pandemias não são uma novidade na história do mundo. Somente no século XXI vivenciamos algumas delas, como a gripe aviária, a Sars e a gripe A (H1N1). O crescimento da população e o intenso fluxo de pessoas entre os países são fatores que potencializam a disseminação dos vírus, sendo quase impossível que não haja uma contaminação a nível global. 

Desde a descoberta do coronavírus, a OMS reforçou as estratégias para conter a disseminação da doença, como o envio de máscaras cirúrgicas e luvas hospitalares para os países que apresentaram infectados. Essas medidas são preciosas para combater o avanço da doença – mas podem e devem ser complementadas por ações mais disruptivas, sobretudo beneficiadas pelas tecnologias emergentes.

Nesse sentido, temos visto experiências interessantes. A Alibaba, por exemplo, gigante do setor de comércio chinês, desenvolveu uma inteligência artificial capaz de diagnosticar infecções pelo coronavírus com 96% de precisão. Outras tecnologias automatizadas têm sido utilizadas no país para envio de materiais, desinfecção de áreas e a realização de diagnósticos básicos sem que haja a necessidade de contato humano direto com indivíduos infectados.

Em Seattle, nos Estados Unidos, a Gates Foundation está financiando o envio de testes que podem ser feitos pelos próprios cidadãos para o diagnóstico da doença. Essa medida é muito importante porque permite que as pessoas possam identificar se estão doentes sem que seja necessário sair de casa – reduzindo, assim, os riscos de contaminação nos hospitais, por exemplo.  

No Brasil, o Ministério da Saúde criou um aplicativo para celular – chamado Coronavírus SUS –  que traz informações precisas sobre sintomas, medidas de prevenção e outros dados relevantes, como unidades de saúde e notícias oficiais. Também tivemos a recente decisão da Agência Nacional de Saúde (ANS) que incluiu o exame de detecção do coronavírus no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, a cobertura mínima e obrigatória a que têm direito os beneficiários de planos de saúde privados. Uma outra boa notícia divulgada no começo do mês foi o envolvimento da Fundação Oswaldo Cruz na produção de kits para a realização de 30 mil testes para o novo coronavírus. 

Vivemos a era das fake news e, portanto, não é possível subestimar os impactos negativos da desinformação – sejam eles o pânico social ou a xenofobia. Para combater esse mal, há diversos dashboards online que trazem informações georreferenciadas e com atualização em tempo real. Somente para citar alguns, há o "Novel Coronavirus Situation", da Organização das Nações Unidas, e a plataforma IVIS, do Ministério da Saúde, que apresenta dados para todo o país, distribuídos por regiões e estados, assim como a indicação de casos suspeitos.

Ainda no campo da informação, a Singularity University, organização de referência no mundo da tecnologia, realizará nos dias 16, 17 e 18 de março o Summit Virtual, um evento online e totalmente gratuito para falar sobre o covid-19, os desafios, soluções e o impacto para a sociedade.

E há também uma busca incessante por dar destaque a soluções já existentes. Dentre elas, o MIT Solve, uma iniciativa do Massachusetts Institute of Technology dedicada a solucionar os principais desafios mundiais a partir da proposição de desafios abertos a pesquisadores, empreendedores e inovadores de todo o mundo. Ela anunciou essa semana o lançamento de um edital voltado para a construção de soluções que possam ajudar a enfrentar pandemias. Segundo os organizadores, "enquanto cientistas e farmacêuticos estão correndo para desenvolver vacinas e tratamentos, há muitas soluções já existentes que podem ajudar a enfrentar esse problemas". 

Pixabay

Prevenção como principal bandeira para o futuro

As tecnologias emergentes têm trazido uma contribuição fundamental para enfrentar doenças contagiosas. Elas apoiam as estratégias reativas, ou seja, quando a doença já se instalou e precisa ter seus efeitos controlados e reduzidos. Isso porque todos os esforços – de diagnósticos até o desenvolvimento de vacinas – tendem a ganhar em escalabilidade, responsividade e eficiência – características tão necessárias neste momento.

Tudo isso é muito importante, mas considero que a contribuição da tecnologia deve ir além. As soluções tech podem ser ferramentas fundamentais para a prevenção, adaptabilidade e mitigação  – tudo isso para que não estejamos desprevenidos quando outras doenças surgirem. A prevenção é uma das bandeiras do BrazilLAB, que por dois anos adotou a temática de saúde como uma de suas vertentes do Programa de Aceleração. Buscávamos healthtechs que pudessem promover a prevenção em saúde, elemento tão necessário para garantir a sustentabilidade e reduzir o risco de colapso do SUS no curto, médio e longo prazo. 

E nós já vimos o impacto positivo que a prevenção pode ter, aqui mesmo, no Brasil. Uma equipe de pesquisa do Instituto de Medicina Tropical da USP – formada, em sua maioria, por mulheres, nunca é demais ressaltar – conseguiu realizar o sequenciamento genético do coronavírus em apenas 48 horas. Esse trabalho eficiente e preciso só foi possível porque pudemos investir no desenvolvimento de tecnologias para combater doenças tropicais que atingem o nosso país, como a dengue e o zika vírus – tão graves como o que temos vivido nos últimos dias.

Se há uma realidade é que as epidemias tendem a se tornar cada vez mais presentes em escala global, regional e também local. É o que mostra o interessante documentário da Netflix, chamado Pandemia, no qual são ressaltados os impactos de fenômenos como a disseminação de doenças e o que é preciso para controlá-los e evitar que tomem proporções catastróficas.

É preciso sempre estar um passo adiante.

Sobre a autora

Letícia Piccolotto é mestre em Ciências Sociais, especialista em Gestão Pública pela Harvard Kennedy School e fundadora do BrazilLAB, a única plataforma brasileira que conecta startups e governos para estimular a inovação no setor público.

Sobre o blog

Acelerar ideias e estimular uma cultura voltada para a inovação do setor público. Este é um blog para falar de empreendedores engajados em buscar soluções para os desafios mais complexos vividos pela sociedade brasileira.