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Letícia Piccolotto

Fim da fila de espera e mais: como startups querem recriar o setor de saúde

Letícia Piccolotto

14/12/2019 04h00

As tecnologias podem ajudar a enfrentar os desafios para o agendamento de consultas (FreePik)

O Sistema Único de Saúde, conhecido como SUS, é uma das maiores e mais complexas políticas públicas de assistência à saúde do mundo. Os serviços oferecidos vão desde a oferta de vacinas, a partir da atenção primária, até procedimentos altamente complexos, como os transplantes de órgãos. E com um destaque: o atendimento é totalmente universal, integral e gratuito. 

Apesar de sua grandiosidade, o SUS é grande alvo de críticas pela baixa qualidade de seus serviços. Segundo pesquisa Ibope de 2018, 75% dos brasileiros avaliam a saúde pública como ruim ou péssima; em 2011, esse percentual era de 61%. E não para por aí: oito em cada dez brasileiros concordam que já deixaram de procurar um médico ou fazer exames pela dificuldade no agendamento. A saúde privada também não escapa das avaliações negativas: em pesquisa publicada em 2018 pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), 94% dos que possuem plano de saúde avaliam a saúde – seja pública ou privada – como ruim ou péssima. 

Os dados demonstram que toda a insatisfação tem justificativa. Em 2017, eram quase 1 milhão de pessoas na fila de atendimento de Estados e capitais do país, com mais da metade dos procedimentos concentrada em cirurgias de baixa complexidade, como catarata, retirada da vesícula e varizes.

O desenvolvimento de novas tecnologias traz infinitas possibilidades para a saúde. E esse tem sido um tema altamente trabalhado no mundo das startups. Segundo dados de 2019 da Startup Genome, o Brasil é o maior mercado de healthcare da América Latina e o sétimo maior do mundo, com mais de US$ 42 bilhões gastos anualmente em atendimento privado. Há 353 startups atuando no ramo de healthtech no país, sendo que quase 35% concentradas no Estado de São Paulo, de acordo com levantamento da Abstartups. Os números já são animadores, mas ainda há muitas possibilidades para crescimento e para alcançar também o setor público. 

O básico e o sofisticado salvando vidas

Desde a melhoria da burocracia até o aprimoramento de serviços médicos, as possibilidades de aplicação de tecnologias em saúde são as mais diversas: robótica, wearables (ou seja, as tecnologias para "vestir", como um relógio que monitora a pressão arterial), monitoramento remoto, impressão 3D, registros eletrônicos de saúde, Big Data, realidade virtual e aumentada, telemedicina, inteligência artificial e muitas outras.

No aspecto burocrático, por exemplo, registros eletrônicos de saúde, substituindo os de papel, já são realidade em alguns países e mudam a interação de todos com a medicina: permitem que pacientes possam não apenas acessar seus registros com um clique, mas também com a garantia de que erros sejam evitados ou detectados rapidamente, além de possibilitarem a existência de dados valiosos a pesquisadores, ajudando a aprimorar o conhecimento médico e o desenvolvimento de tratamentos.  

As tecnologias podem também ajudar a enfrentar os desafios para o agendamento de consultas: as filas não fazem mais sentido para o cidadão e representam perda de recursos também para o setor público. Assim, a automação de agendamentos de consultas e exames é uma urgência. A UpSaúde, uma das startups aceleradas pelo hub de inovação BrazilLAB, é uma GovTech que atua justamente nesse sentido, sendo uma plataforma de telemedicina.

Em relação ao atendimento médico em si, o uso de tecnologias permite a atenção remota aos pacientes. Não se trata de substituir a presença de um profissional, mas sim facilitar e agilizar o acesso no caso de procedimentos mais simples: contatar um enfermeiro que tire dúvidas sobre cuidados ou um médico que avalie o exame pedido, ações ideais para os sistemas de vídeo – que economizam deslocamentos e muito tempo. 

A tecnologia também tem sido aplicada para tratar os principais males do nosso século: as doenças relacionadas à saúde mental. A Organização Mundial da Saúde registra que uma em cada quatro pessoas no mundo será afetada por distúrbios mentais ou neurológicos em algum momento de suas vidas. Atualmente, cerca de 450 milhões de pessoas sofrem dessas condições.

A norte-americana Spring Health é uma startup que visualizou o problema e criou uma solução a partir dele. Reunindo e tratando dados, a empresa se dispõe a entender as necessidades de trabalhadores com questões de saúde mental e prever o tratamento certo para acelerar a recuperação, tudo com base nas soluções de machine learning. A atuação junto aos usuários pode sugerir medicamentos, exercícios de mindfulness e até terapia por teleatendimento. Desde sua fundação, em 2016, a Spring Health levantou US$ 8 milhões e foi contratada por gigantes como Gap, Whole Foods e Equinox.

As healthtechs oferecem uma variedade de soluções para os desafios em saúde, trazendo maior agilidade, qualidade e maior acesso para os serviços desse setor tão essencial em nossas vidas. Não há dúvidas de que a tecnologia será, daqui por diante, uma ferramenta valiosa nas mãos dos especialistas e um remédio eficaz para a vida plena da população.

Sobre a autora

Letícia Piccolotto é mestre em Ciências Sociais, especialista em Gestão Pública pela Harvard Kennedy School e fundadora do BrazilLAB, a única plataforma brasileira que conecta startups e governos para estimular a inovação no setor público.

Sobre o blog

Acelerar ideias e estimular uma cultura voltada para a inovação do setor público. Este é um blog para falar de empreendedores engajados em buscar soluções para os desafios mais complexos vividos pela sociedade brasileira.