Tecnologia e reforma da previdência: o que ainda precisa ser discutido
Há alguns dias, o BrazilLAB, em parceria com a Fundação Brava e o Centre for Public Impact (CPI), divulgou um estudo sobre como a tecnologia pode ampliar a eficiência e tornar mais efetivas as políticas públicas da previdência social. Para se ter uma ideia desse potencial, segundo estimativas da pesquisa, a economia gerada somente com a digitalização dos atendimentos poderia estar entre R$ 1,7 bilhão e R$ 4,7 bilhões ao ano –dependendo da velocidade de implantação das mudanças.
Este ano, a discussão e a aprovação da reforma da previdência tomaram a agenda do nosso país, e várias questões que foram discutidas estavam relacionadas ao alto custo do sistema previdenciário e a decorrente necessidade de adotar medidas que possam garantir a sua sustentabilidade futura.
No estudo do BrazilLAB, por exemplo, verificou-se que nossa previdência social tem um potencial aumento de arrecadação próximo a 35% –superando R$ 150 bilhões ao ano. Aliado a isso, existe também a potencial redução de despesas em torno de 15%, próximo a R$ 120 bilhões ao ano. Os ganhos de arrecadação seriam obtidos, principalmente, a partir do combate à inadimplência e da não-aderência (ou seja, a não contribuição à previdência social e a fraude fiscal).
A aplicação de ferramentas digitais teria uma contribuição decisiva para alcançar essa economia. Por exemplo: se aplicadas na arrecadação, seria possível resgatar de 10% a 25% das perdas por inadimplência, de 10% a 15% das perdas por sonegação e de 5% a 10% do custo de oportunidade com colaboradores informais –representando algo em torno de R$ 15 a R$ 30 bilhões ao ano, considerando dados de 2017.
Podemos dizer que quatro áreas fundamentais seriam diretamente impactadas pela aplicação de tecnologia: a arrecadação das contribuições, o pagamento dos benefícios, o aperfeiçoamento de operações internas e a melhoria do atendimento ao cidadão.
Em cada uma dessas áreas, o uso de recursos tecnológicos permitiria ao governo alcançar resultados decisivos –desde o combate à evasão fiscal e a identificação de fraudes até a automação e racionalização das tarefas desenvolvidas pelos órgãos públicos envolvidos. As possibilidades e ferramentas disponíveis são as mais diversas possíveis: coleta e análise de dados, uso de identidade digital e biometria, registros e documentos digitais, metodologia ágil e a criação de plataformas e paineis (dashboards) para o acompanhamento de informações. Muitos países já iniciaram essa revolução, e o Brasil pode se beneficiar dos exemplos e da potência transformadora.
Experiências para inspirar
A Suécia aposta desde 2014 no minPension, um portal que fornece informações sobre as pensões em tempo real –assim como uma projeção da renda de aposentadoria, facilitando o acesso de informações pelos cidadãos e contribuindo para a transparência governamental. A Holanda faz algo semelhante desde 2011 com uma plataforma digital para pensões tanto de funcionários públicos quanto de empresas privadas.
No Reino Unido, foi criado um programa para apoiar os excluídos digitais –pessoas que têm dificuldade na utilização ou não têm acesso a tecnologias– a usar os serviços do governo, dentre eles, solicitações à previdência social. Outro bom exemplo é o da Eslovênia, que usa uma plataforma de comunicação entre agências do governo, permitindo a troca de informações e uma verificação mais ágil dos pedidos de benefícios apresentados por cidadãos.
Algumas experiências vêm de países com contextos e desafios semelhantes aos brasileiros. É o caso da Índia, onde o Aadhaar se tornou o maior serviço de identificação biométrica do mundo –e, desde 2009, se mostra uma ferramenta para a prevenção de fraude de identidade. São 1,24 bilhões de usuários cadastrados (cerca de 92% da população do país) e uma abrangência de 3.500 serviços governamentais e não governamentais.
O Brasil tem realizado avanços no tema, sobretudo a partir da implementação do INSS Digital e do Meu INSS. Ambas são ferramentas online que foram responsáveis pela digitalização de atendimentos e pela disponibilização de informações à população, reduzindo a alta demanda que antes existia no atendimento presencial. Basta lembrar que, até bem pouco tempo, iniciar a solicitação de um benefício significava passar horas nas filas do INSS. Os resultados foram muito significativos, é verdade, mas ainda há barreiras a superar.
Primeiro, ampliar a utilização dos serviços online pela população. Dados de 2017 mostram que 28% dos atendimentos realizados pelo INSS eram presenciais, 44% por telefone e 28% pelo aplicativo digital (Meu INSS). A Austrália, referência em digitalização do serviço, tinha uma distribuição bem diferente já em 2015: 12% de atendimento presencial nas agências, 19% por telefone e 69% por meio digital –com a expectativa de que este canal possa ser responsável por 85% dos atendimentos até 2025.
A proposta não é substituir o atendimento presencial pelo digital. A existência de agências garante que as pessoas excluídas do mundo digital tenham acesso aos seus direitos, e isso deve ser mantido. Mas é possível ampliar a utilização pela maioria da população que já está conectada aos celulares, de forma a garantir um atendimento rápido, fácil e muito mais barato para os cofres públicos.
O INSS consegue dar vazão a apenas 50% dos pedidos que entram por mês; segundo dados da pesquisa, aproximadamente 1,2 milhão de processos se encontram pendentes de análise e 800 mil pedidos com mais de 45 dias de atraso. Com atrasos, as análises ficam menos minuciosas, o que pode abrir espaço para fraudes, por exemplo.
Além disso, são necessárias mudanças em todas as rotinas de solicitação, processamento e concessão de benefícios. É preciso capacitar funcionários e adaptar as organizações para receber a tecnologia; do contrário, corre-se o risco de adotarmos um movimento já discutido aqui no blog: a e-burocracia.
Transformação que começa já
São as mudanças culturais, tecnológicas e de processos que vão otimizar os recursos públicos enquanto melhoram a qualidade das ações e colocam as necessidades reais do cidadão em destaque. Exemplos dessa mudanças? Permitir maior participação de fornecedores da área tecnológica (como as startups), capacitar servidores para as tecnologias mais recentes, apoiar a população no uso dos serviços digitais e mudar as bases de como se faz política pública, explorando ideias inovadoras e disruptivas.
Uma das estimativas deixa evidente o impacto positivo da digitalização dos serviços: a redução considerável sobre o valor unitário de atendimentos aos usuários da previdência. Enquanto o modelo presencial unitário custa, em média, R$ 43,70, o mesmo serviço realizado por meio digital teria um custo de R$ 1,20. Isso representaria uma economia de 97% dos recursos públicos por transação.
São múltiplas as possibilidades de aplicação da tecnologia para o setor previdenciário. Há também vários exemplos positivos de como essa mudança pode ocorrer, inspirando gestores nos processos de mudança. A previdência social ainda precisa continuar na agenda –se quisermos garanti-la como um direito para as gerações do futuro.
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