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Letícia Piccolotto

Como vencedores do Nobel colocaram a ciência de dados no combate à pobreza

Letícia Piccolotto

19/10/2019 04h00

As políticas públicas precisam se basear em evidências – e na sistematização e análise de dados, além da compilação de tudo isso em bases confiáveis (Foto Unsplash/Avel Chuklanov)

Há alguns dias, a Academia Real de Ciências da Suécia anunciou que o prêmio Nobel de Economia de 2019 foi concedido aos economistas Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer por uma nova abordagem à pesquisa para combater a pobreza global. Banerjee e Duflo, professores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e Kremer, economista da Universidade de Harvard, mostraram grandes contribuições e foram pioneiros com um olhar prático sobre esse mal mundial – e colocando a tecnologia de dados na equação.

Em vez de considerar a pobreza apenas de um ponto de vista amplo e teórico, os três mudaram o foco e iluminaram outras perspectivas de um problema tão complexo, usando a análise de dados para fundamentar ações. Com uma divisão por temas, como saúde e educação, os economistas realizaram experiências em países como Quênia e Índia – e beneficiaram diretamente mais de 5 milhões de crianças.

Em uma das fases de coleta de dados, eles atestaram, por exemplo, que o acesso a clínicas móveis para comunidades carentes aumentava as taxas de vacinação. Em outro estudo, concluíram que ajudar diretamente um aluno com dificuldades de aprendizado teria mais efeito do que uma melhora nos livros didáticos ou refeições escolares gratuitas – que também obtiveram impacto, mas em menor escala.

São exemplos claros de como as políticas públicas precisam se basear em evidências – e na sistematização e análise de dados, além da compilação de todas as informações em bases confiáveis. A tecnologia, como mostraram indiretamente os vencedores do Nobel, precisa cada vez mais ser utilizada para combater problemas tão urgentes e sensíveis, como a desigualdade de renda e a pobreza.

Da ação local até a mundial

Essa é uma questão sobre a qual países do mundo todo precisam se debruçar. O grande diferencial trazido pela experiência dos vencedores do Prêmio Nobel esteve na adoção de experimentos para o diagnóstico de fatores centrais para redução da pobreza. A partir deste olhar, um fenômeno tão complexo e multifatorial – que envolve a ausência de renda, mas também de escolaridade, saúde e educação – pode ser analisado com perguntas concretas e precisas que pudessem orientar as intervenções. 

Nesse sentido, o mapeamento e sistematização de informações é um ponto primordial, e o enfrentamento à pobreza pode se beneficiar da mesma estratégia utilizada para os experimentos científicos: testes rigorosos, identificação de fatores críticos e então a aplicação de estratégias que sejam realmente eficazes para combater os males identificados.  

Segundo o Banco Mundial, a taxa de pobreza global está mais baixa hoje do que jamais foi historicamente. Mais de um bilhão de pessoas foram retiradas da pobreza extrema (definida como aquela que atinge pessoas que vivem com menos de US$ 1,90 por dia) nos últimos 25 anos. E essa é certamente uma das maiores conquistas do nosso tempo – mas há muito mais a ser feito.

Ainda existem bilhões de pessoas vivendo em grande dificuldade em todo o mundo – como mostra o World Poverty Clock, uma estimativa online sobre o fenômeno. Como se vê pelo "relógio", em algumas regiões, os ganhos obtidos estão em regressão – e cerca de 8% da população do planeta ainda sofre drasticamente.

Para alcançar a meta delineada na Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável e acabar com a pobreza e a fome até 2030, muitas ações políticas, econômicas, sociais e organizacionais devem ser tomadas. As tecnologias emergentes – como a Internet das Coisas (IoT), o 5G, blockchain e outras ferramentas – serão cruciais para alcançar esse objetivo.

Segundo estimativas da ONU, as Tecnologias de Informação e Comunicação, também conhecidas pela sigla TIC, podem ter impactos determinantes no combate à pobreza e a todas as situações de vulnerabilidades trazidas por ela. Estima-se que as TIC podem levar educação a mais de 450 milhões de pessoas mundialmente, ampliar o acesso a serviços públicos de saúde de forma a beneficiar 1,6 bilhões de indivíduos e aumentar o PIB a partir da ampliação do acesso à internet para mulheres – na ordem de 13 a 18 bilhões de dólares por ano. 

São vários outros os exemplos possíveis, nas mais distintas áreas de políticas públicas, como a produção agrícola: o acesso e a conexão em as áreas rurais pode levar à instrução dos trabalhadores, fixação das pessoas no campo, melhor rendimento das safras. Ferramentas e bancos de dados de inteligência artificial já podem fazer análises em tempo real, ajudar na tomada de decisões quanto à administração das plantações, diminuir custos de produção, aumentar faturamento e fornecer acesso a novos mercados.

A tecnologia, em si, é uma ferramenta; o que vale é a forma como nós decidimos usá-la – como bem mostrou o trio de vencedores do Nobel de Economia. Cabe especialmente a governos em todo o mundo fazer o mesmo, deixar de lado os receios e encontrar maneiras de tornar esse uso prático e valoroso para a sociedade. Em vez de esperar para ver qual será o impacto das tecnologias, é uma questão de aplicá-las aos contextos reais de problemas complexos e extrair seus benefícios em favor de quem mais precisa.

Sobre a autora

Letícia Piccolotto é mestre em Ciências Sociais, especialista em Gestão Pública pela Harvard Kennedy School e fundadora do BrazilLAB, a única plataforma brasileira que conecta startups e governos para estimular a inovação no setor público.

Sobre o blog

Acelerar ideias e estimular uma cultura voltada para a inovação do setor público. Este é um blog para falar de empreendedores engajados em buscar soluções para os desafios mais complexos vividos pela sociedade brasileira.