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Letícia Piccolotto

Moradia popular? Já é tempo de pensarmos na construção com impressoras 3D

Letícia Piccolotto

10/08/2019 04h00

Populações afetadas por desastres naturais, comunidades carentes, grandes centros urbanos onde faltam opções para aluguel social – todos esses cidadãos serão beneficiados quando o poder público voltar sua atenção para outras tecnologias de construção

Muitos vídeos com impressoras 3D em operação foram moda na internet há alguns anos. A máquina, representada por uma plataforma ou braço robótico, espremia camadas de certo material repetidas vezes até completar uma tarefa que antes só parecia possível para grandes indústrias – como fabricar apetrechos de cozinha ou brinquedos. Até que, mais recentemente, esta tecnologia deu um importante salto, culminando em uma impressora 3D abastecida com concreto; e à medida que as camadas se acumulavam e o contorno da estrutura ficava mais claro, notava-se que o robô estava construindo uma casa. Melhor: fazia isso com uma velocidade espantosa.

Essa nova possível aplicação da impressão 3D colocou o dispositivo de volta no foco de empreendedores sociais, levando-os a refletir sobre sua utilização na resolução de problemas urgentes enfrentados pela população. Por exemplo, imaginemos o impacto que a impressão 3D pode ter na construção de moradia popular, um grave problema enfrentado, principalmente, no contexto das grandes cidades? Apenas no Brasil, segundo a Fundação Getúlio Vargas, existe um déficit habitacional de 7,7 milhões de residências.

A melhor das impressões

Uma das primeiras construções desse tipo aconteceu em 2017 – feita por uma empresa chamada Apis Cor, na Rússia, que se tornou a tal sensação no mundo online. Uma casa custando cerca de US$ 10 mil erguida em um dia? O vídeo foi assistido por 75 milhões de vezes, um sinal da empolgação criada quando uma tecnologia revolucionária, no caso a impressão 3D, atende a uma das demandas mais importantes da população em geral.

Hoje, há algumas startups que já fazem da construção de casas seu principal produto. Nos Estados Unidos, elas começam a ganhar destaque – como é o caso da ICON e da MudBots – e a Europa ensaia passos parecidos com a COBOD (que já ergueu complexos inteiros na Dinamarca e tem capacidade para construir prédios de até três andares com a impressora que desenvolveu).

A tecnologia, afinal de contas, parece ter amplo apelo aos clientes em potencial: custos reduzidos (graças à economia de mão-de-obra e materiais) e uma janela de construção medida em semanas (ou até dias) em vez de meses ou anos. Estas duas variáveis, custo e tempo, são cruciais para aqueles que necessitam de uma moradia de maneira emergencial. De fato, muitos especialistas em arquitetura e engenharia já consideram as "casas impressas" um ponto de transformação social.

Claro, a maioria deles, porém, têm ressalvas: é difícil prever, por exemplo, como essas construções se comportarão a longo prazo; e sempre haverá a necessidade de a construção ser realizada com supervisão técnica que preveja questões de fundação, ligações de água e esgoto, além da elétrica e itens de segurança. Em outras palavras, todos os requisitos e cuidados presentes na construção de casas convencionais devem ser mantidos em construções que se utilizam da tecnologia 3D.

O mercado, porém, está realmente empolgado. A norte-americana Sunconomy, por exemplo, está atualmente construindo uma casa em Austin, Texas, com uma versão da tecnologia de impressão 3D que usa uma plataforma móvel para pulverizar concreto geopolimérico em painéis de isolamento pré-instalados. O principal diferencial, portanto, é que o material de concreto se torna à prova de fogo e repele a água.

Inovação para todo o mundo

Agora que já mencionamos tantos exemplos e vantagens comerciais sobre o advento das moradias criadas com impressoras 3D, é hora de traduzir para a realidade: no mundo todo, utilizar uma tecnologia que faça o trabalho mais rápido e mais barato pode, literalmente, ser a salvação de muitas famílias que enfrentam o duro desafio de não terem onde morar.

Populações afetadas por desastres naturais, comunidades carentes, grandes centros urbanos onde faltam opções para aluguel social – todos esses cidadãos serão beneficiados quando o poder público voltar sua atenção para outras tecnologias de construção de moradias.

Tecnologia, aliás, é algo que pode permear toda a cadeia de organização das moradias populares. No último Programa de Aceleração do BrazilLAB, ONG que presido e que conecta startups ao poder público para levar inovação aos cidadãos, um dos destaques entre os finalistas foi a SmartSíndico. A empresa desenvolveu um aplicativo que faz gestão condominial barata, segura e de qualidade para Habitações de Interesse Social (como o Minha Casa Minha Vida, CDHU e Cohab). São várias as funcionalidades – como um chabot que responde dúvidas sobre a administração.

Habitação decente e acessível é um direito fundamental dos indivíduos, com impacto para a saúde e o bem-estar da população – e para o bom funcionamento da economia também. Devemos lembrar que o déficit global de moradias a preços acessíveis impacta um em cada três moradores urbanos – ou cerca de 1,6 bilhão de pessoas. Quem sabe o abismo de desigualdade que vemos em tantos lugares não possa começar a ser mudado com a ação cadenciada, precisa e, sobretudo, acessível das impressoras 3D?

Sobre a autora

Letícia Piccolotto é mestre em Ciências Sociais, especialista em Gestão Pública pela Harvard Kennedy School e fundadora do BrazilLAB, a única plataforma brasileira que conecta startups e governos para estimular a inovação no setor público.

Sobre o blog

Acelerar ideias e estimular uma cultura voltada para a inovação do setor público. Este é um blog para falar de empreendedores engajados em buscar soluções para os desafios mais complexos vividos pela sociedade brasileira.