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Letícia Piccolotto

Criatividade não é um dom: Como exercitá-la para resolver grandes problemas

Letícia Piccolotto

20/07/2019 04h00

A criatividade não é um dom, ela pode ser aprendida – e ajudar a questionar o modo como as coisas são feitas é vital para melhorar a sociedade , como prega o GovTech

Criar e inovar – cada um tem seu momento. Enquanto a criatividade está relacionada com a imaginação, com conceber uma nova ideia ou um plano, a inovação está relacionada com a implementação e implica em iniciar algo novo no mercado, seja um novo produto ou processo. 

Para esclarecer: criatividade não é um dom; muitos acreditam que sim, e acabam se contendo ou se conformando de que uns a têm, outros não. Mas profissionais que lidam com ela no dia a dia, de publicitários a designers e arquitetos, garantem que a criatividade é um esforço. É um exercício que se faz unindo paixão, foco e a necessidade ou vontade de mudar algo que pode e deve evoluir. 

Nesse sentido, questionar o modo como as coisas são feitas é vital para melhorar a sociedade – e para atender ao cidadão, que é o que pregamos ao falar sobre GovTechs. Startups, empresas privadas, governos de qualquer esfera, mentes empreendedoras: a criatividade é a essência que faz todas as engrenagens dessa cadeia pensarem soluções para que produtos e serviços mudem, se transformem e, pelo ato de inovar, otimizem o modo como vivemos.

Novas direções

Garrett Camp e Travis Kalanick eram amigos e estavam em Paris para um evento de tecnologia quando, noite adentro, tiveram enorme dificuldade de achar um táxi. Já escolados em startups e no meio online, tiveram a ideia de um aplicativo em que pudessem chamar um carro em qualquer ponto. E então, algum tempo depois, se tornaram pioneiros no chamado e-hailing (a locação de veículos via smartphone) e fundadores do Uber, empresa que transformou rotinas mundo afora.

Esse é um exemplo clássico no setor. Mas podemos também falar de Newsha Ghaeli e Mariana Matus. Formadas pelo renomado MIT, de Boston, elas tiveram uma ideia e criaram a BioBot. A startup é capaz de direcionar a administração pública para lidar com questões de saúde, como uso de drogas e excesso de antibióticos, analisando o esgoto das cidades. Em dois anos de operação, a empresa já recebeu mais de US$ 2,5 milhões em fundos.

Refletir sobre um problema com criatividade pode resolver uma questão de muitas maneiras possíveis. Enquanto muitos cogitam uma saída, a ideia transformadora chega pela capacidade que todos nós podemos desenvolver de olhar todos os lados de um problema e não bloquear premissas, não tolher a imaginação – criando soluções novas e interessantes.

Ao permitir que a criatividade ganhe espaço, podem nascer produtos, serviços e, melhor ainda, situações completamente disruptivas, para usar um termo do momento. 

Ideias na cabeça de todos

Vale dizer que a criatividade também compreende atitudes. Pensar assim nos leva a mudar não só a nossa própria mentalidade, mas a aceitar outras ideias, criando um pensamento coletivo que economiza tempo, dinheiro, queima etapas burocráticas. Governantes não precisam ser criativos para imaginar sozinhos. Mas precisam ser criativos para ouvir, conhecer e implementar as boas ideias.

No último festival de Cannes, o meio da publicidade deixou claro que criar nunca esteve tão em alta. As principais lições que saíram das peças e painéis do evento, realizado no final de maio passado, foram sobre ter ideias simples, pensar de forma mais humana e que nunca existe uma só maneira de fazer as coisas. Um dos cases mostrados no festival foi da Nike.

Em um bairro violento de Chicago (EUA), a marca transformou uma igreja condenada à demolição em uma quadra de basquete. Houve o cuidado de preservar a identidade da antiga construção, restaurando os vitrais, por exemplo – e, além da revitalização histórica, o local se transformou em ponto de lazer e esporte para os moradores da região.

Criar não se trata apenas de vender tênis, refrigerantes ou salgadinhos: trata-se de inovar na comunidade onde estamos e questionar o próprio modo como as coisas são feitas.

Foi assim que passamos a circular diferente pelas cidades, a comprar filmes e música de forma mais abrangente, a fotografar e mostrar as imagens aos amigos. Daqui algum tempo, como vamos lidar com a saúde mental das pessoas? Como vamos consumir arte, cultura, alimentos saudáveis, energia elétrica ou a educação? Criativamente, com toda certeza, pois problemas complexos exigem soluções criativas. 

Sobre a autora

Letícia Piccolotto é mestre em Ciências Sociais, especialista em Gestão Pública pela Harvard Kennedy School e fundadora do BrazilLAB, a única plataforma brasileira que conecta startups e governos para estimular a inovação no setor público.

Sobre o blog

Acelerar ideias e estimular uma cultura voltada para a inovação do setor público. Este é um blog para falar de empreendedores engajados em buscar soluções para os desafios mais complexos vividos pela sociedade brasileira.