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Letícia Piccolotto

Criptomoedas são um “incômodo” com o qual governos terão que lidar

Letícia Piccolotto

13/07/2019 04h00

Bitcoin já está na área desde 2007; consideradas uma novidade, as criptomoedas só agora está recebendo atenção dos governos

A falta de uma "autoridade central" é a principal razão pela qual os governos têm medo das criptomoedas, mas existem pontos positivos sobre elas e será preciso compreender esse processo

Apesar de parecer uma novidade, as criptomoedas nasceram há mais de uma década. Começaram com o bitcoin, criado por volta de 2007/2008, época em que muitos países do mundo passavam por uma grande crise financeira e de confiança nos mercados; e foi cerca de um ano mais tarde que o bitcoin se mostrou uma opção de investimento, valendo, na época, 1.300 BTC para cada US$ 1 (valor que hoje chega a US$ 13 mil  para 1 bitcoin).

Apesar de muitos investidores terem se empolgado com criptomoedas nos últimos anos, elas têm seus opositores. Nesta semana, o presidente dos EUA, Donald Trump, fez um tuíte se declarando um "não-fã" delas – dizendo ainda que "não são dinheiro e cujo valor é altamente volátil e baseado no ar".

O bitcoin foi apenas a primeira das criptomoedas que afirmaram ser uma rede de pagamento descentralizada e alimentada por seus usuários sem autoridade central ou intermediários. Entrando na carteira de investidores e ganhando fama no mundo dos negócios, essa modalidade chegou recentemente a mais manchetes quando o Facebook entrou na jogada com a criptomoeda libra.

A empresa de tecnologia se propôs a criar uma organização com diversas outras companhias e ONGs para formar um sistema monetário global. Bem, considerando que atualmente são 2,7 bilhões de usuários ativos na plataforma (e outra multidão de pessoas em empresas de tecnologia como Google ou Spotify), o Facebook certamente poderia capitanear mudanças nesse sentido.

É importante lembrar que, durante grande parte da história do bitcoin e de outras criptomoedas, esse sistema ainda não era regularizado em grande parte dos países. Na Europa, por exemplo, o bitcoin começou a ser regulamentado entre os anos de 2009 e 2015 –e só então se expandiu pelos países do bloco.

Essa falta de uma "autoridade central" é a principal razão pela qual os governos têm medo das criptomoedas. Para entender esse medo, é importante conhecer um pouco sobre governos e moedas convencionais.

Controle e inclusão

Os governos controlam seu sistema fiduciário. Eles usam bancos centrais para emitir ou destruir dinheiro, usando política monetária para exercer influência econômica. Eles também ditam como as moedas podem ser transferidas, permitindo controlar o movimento cambial, cobrar impostos e rastrear atividades criminosas, por exemplo. Todo esse controle é perdido quando órgãos independentes criam suas próprias moedas.

O controle sobre a moeda tem muitos impactos a longo prazo –talvez mais forte sobre a política fiscal de uma nação, o ambiente de negócios e os esforços para controlar a evasão ilícita. É tudo isso que cria caso quando se fala sobre governos versus criptomoedas.

Os usuários delas não precisam do sistema bancário existente, em teoria. A moeda é criada no ciberespaço quando os chamados "mineradores" usam o poder de seus computadores para resolver algoritmos complexos que servem como verificação. E sua recompensa é o pagamento com moeda digital, que é armazenada e passada entre compradores e vendedores sem a necessidade de um intermediário.

Se as criptomoedas se tornassem amplamente adotadas, todo o sistema bancário poderia se tornar irrelevante. Essa é a implicação para governos. E apesar disso parecer um conceito interessante se pensarmos que o sistema bancário por vezes parece opressor, a história tem muitos capítulos a serem considerados.

Sem bancos, não existe um local para pedir atendimento quando pagamentos são hackeados, por exemplo, ou uma transferência acusa falha técnica e simplesmente não chega. Não existiriam também os juros sobre as economias guardadas. Talvez um bom dinheiro desaparecesse no mundo virtual. Sem falar em desvios criminosos de grande sofrimento social, como pela atuação do narcotráfico, tráfico de pessoas, terrorismo, lavagem de dinheiro.

Mas é inegável que as criptomoedas nasceram por um motivo e que têm, bem, o seu valor. Elas surgiram como esse modo de desafiar os sistemas monetários e regulamentações. Mas a libra do Facebook, como outras, busca também a inclusão. Segundo estimativas, 1,7 bilhão de pessoas no mundo não têm acesso ao sistema financeiro. Não recebem dinheiro em espécie, não consomem e não são aceitos nos serviços bancários. Um problema crítico em muitos países, que ignora e até pune cidadãos necessitados.

O futuro das criptomoedas? Elas chegaram para ficar. Não apenas para compras online, mas como uma alternativa de moeda corrente. Sua legalidade e particularidades de uso seguirão um curso próprio. Com a resistência de governos decisivos como dos Estados Unidos e Rússia, tende a demorar. Mas é certo que aprender com suas vantagens e observar seu impacto nas populações é algo que o setor público em todo o mundo deve (ou deveria) estar fazendo.

Errata: ao contrário do informado anteriormente, 1 bitcoin pode chegar a valer cerca de US$ 13 mil atualmente, não o contrário. O texto foi atualizado. 

Sobre a autora

Letícia Piccolotto é mestre em Ciências Sociais, especialista em Gestão Pública pela Harvard Kennedy School e fundadora do BrazilLAB, a única plataforma brasileira que conecta startups e governos para estimular a inovação no setor público.

Sobre o blog

Acelerar ideias e estimular uma cultura voltada para a inovação do setor público. Este é um blog para falar de empreendedores engajados em buscar soluções para os desafios mais complexos vividos pela sociedade brasileira.