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Letícia Piccolotto

RG, CPF, CNH: Pix tem potencial para ser nossa identidade única e digital

Letícia Piccolotto

10/10/2020 04h00

Pix é o começo de uma revolução financeira e pode ajudar a enfrentar desafios históricos (Divulgação/ Banco Central do Brasil)

Imagine que você queira fazer uma transferência bancária, mas se depare com uma taxa de DOC ou TED no valor de até R$ 15. Ou que deseje pagar um boleto, mas se lembre que não é dia útil. Ou, ainda, precise realizar um pagamento, mas não tem todos os dados da pessoa ou empresa, como CNPJ, CPF e informações bancárias. Ou até mesmo tenha esquecido seu cartão de crédito ou dinheiro, e só esteja com o seu celular.

Se você faz parte do grupo de brasileiros que possui conta bancária, certamente irá se reconhecer em uma dessas situações. Mas elas estão prestes a se tornar algo do passado, graças ao uso da tecnologia: a partir de 16 de novembro passa a operar o Pix

A sigla dá nome ao novo meio de pagamento criado pelo Banco Central do Brasil (Bacen) e que promete revolucionar o universo de operações financeiras. A solução reúne algumas funcionalidades há muito esperadas: as transferências ou compras são instantâneas e a compensação ocorre em até 10 segundos; elas estão disponíveis todos os dias do ano e a qualquer horário; seu uso é gratuito para pessoas físicas; e, finalmente, as transferências e compras serão facilitadas pelo uso do QR Code ou da chamada chave Pix: um "endereço" da conta do usuário que receberá o pagamento, e que pode ser o CPF, CNPJ, telefone ou uma sequência aleatória de números gerada pelo sistema. 

De uma só vez, todos os incômodos tradicionais que enfrentamos hoje parecem estar com os dias contados. E essa nem é a principal vantagem do Pix.

Afinal, por que o Pix é tão revolucionário?

 

Freepik

A solução de pagamentos instantâneos não é uma exclusividade brasileira. Segundo um levantamento da empresa de tecnologia em serviços financeiros, FIS, pelo menos 54 países desenvolveram algum tipo de solução que possibilita operações financeiras em tempo real. Nações como Índia, China e Reino Unido são importantes referências nessa prática [saiba mais sobre a experiência indiana com o Aadhaar aqui]. 

É verdade que, num primeiro momento, a possibilidade de realizar pagamentos quase que instantaneamente possa se destacar como o grande diferencial da solução. E não é para menos, afinal, imagine poder realizar transferências a qualquer hora do dia e poder receber os recursos em até 10 segundos? 

Mas, considerando o contexto brasileiro, posso garantir que essa não é a principal revolução trazida pelo Pix, já que a solução tem o poder de garantir algo muito valioso: a bancarização da população brasileira. 

Já discuti sobre o tema aqui no blog. A pandemia de coronavírus e o pagamento do auxílio emergencial expuseram mais uma face da desigualdade social brasileira: 45 milhões de pessoas não têm acesso a uma conta bancária, sendo excluídas da possibilidade de usufruir de vários serviços, como acesso ao crédito, por exemplo. 

Por zerar as taxas cobradas para transações realizadas por pessoas físicas, a grande revolução trazida pelo Pix é a possibilidade de ampliar o acesso e incluir mais e mais indivíduos, que passam a usufruir de serviços financeiros.

O efeito borboleta Pix

Sim, ele existe. Pouco se discute, mas o Pix tem o potencial de resolver um problema histórico brasileiro: a ausência de uma identidade única e digital. 

Esse desafio também foi exposto durante a pandemia: de um lado, estamos cercados por um emaranhado de documentos e números de identificação — RG, CPF, Carteira de Motorista, Passaporte, Título de Eleitor, Certidões Profissionais– , a lista é imensa, conforme mostra o Mapa da Informação do ITS.

Por outro lado, há brasileiros e brasileiras que são "invisíveis": não constam em nenhuma base de dados governamental e, portanto, são impedidos de acessar direitos básicos, como educação, saúde e trabalho. 

Em 2018, no GovTech Brasil, tivemos a participação de Cristiane Amaral que nos contou sua busca pelo reconhecimento de sua existência –milhões de brasileiros estavam no palco naquele momento.

A inclusão bancária, já que cada vez mais pessoas terão acesso aos serviços financeiros, em conjunto com os mecanismos QR Code e a chave Pix, traz a possibilidade de criar uma identidade única e digital, que permitirá acesso a crédito, benefícios governamentais e, possivelmente, o direito a existir. 

O Pix é, sem dúvida, uma grande boa notícia de 2020.

É a prova concreta de que a tecnologia pode gerar inclusão social. 

Sobre a autora

Letícia Piccolotto é mestre em Ciências Sociais, especialista em Gestão Pública pela Harvard Kennedy School e fundadora do BrazilLAB, a única plataforma brasileira que conecta startups e governos para estimular a inovação no setor público.

Sobre o blog

Acelerar ideias e estimular uma cultura voltada para a inovação do setor público. Este é um blog para falar de empreendedores engajados em buscar soluções para os desafios mais complexos vividos pela sociedade brasileira.