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Letícia Piccolotto

Risco de fraude? O que a tecnologia vai oferecer para o futuro das eleições

Letícia Piccolotto

03/10/2020 04h00

O futuro das eleições já começou e será tecnológico (Fábio Pozzebom/ Agência Brasil)

Grandes emoções podem ser esperadas até o final de 2020. O ano em que o mundo assistiu ao surgimento de uma pandemia guarda ainda dois importantes eventos: as eleições municipais no Brasil e a escolha do novo presidente dos Estados Unidos. Como em qualquer processo eleitoral, ambos merecem nossa maior atenção, afinal, os seus desdobramentos devem influenciar, de maneiras distintas, a vida de todos nós.

No texto de hoje, gostaria de falar sobre o segundo grande evento do ano, as eleições presidenciais dos Estados Unidos –mas aguardem: nas próximas semanas teremos reflexões sobre a escolha de nossos representantes.

Na última terça-feira, 29 de setembro, pude acompanhar a 1 hora e 30 minutos do debate entre os candidatos do país: de um lado, o atual presidente Donald Trump, do Partido Republicano, e do outro, o candidato democrata, Joe Biden, que foi vice-presidente do país durante a gestão de Barack Obama (2009-2017).

É difícil descrever com um só adjetivo o que foi o momento. Analistas políticos têm se desdobrado para estudar as minúcias de cada informação, argumentos e expressões dos dois candidatos. Me arrisco aqui a dizer que o debate foi uma amostra do período em que vivemos, em que a polarização extrema reina absoluta, e no qual há muitas conversas, mas poucos diálogos que apontem caminhos concretos para o desenvolvimento das nações.  

No emaranhado de temas e interrupções do debate, um aspecto me chamou especial atenção: o atual presidente dos Estados Unidos colocou em descrédito o sistema eleitoral do país que, em 2020, por conta da pandemia e dos esforços de distanciamento social, deverá ter um número recorde de eleitores manifestando sua escolha com o envio de votos pelo correio.

Embora a prática não seja nenhuma novidade –em 2016, disputa que teve Donald Trump como candidato eleito, 24% dos votos foram enviados por correio–, o candidato republicano insiste em afirmar, sem qualquer evidência, que a eleição será fraudada e que, caso não seja reeleito, deverá recorrer à Suprema Corte para arbitrar sobre o resultado final.

Considero que o questionamento de Trump foi o grande destaque do debate por três grandes motivos:

  1. Primeiro, ele coloca em xeque a legitimidade do processo eleitoral do país, caso ele não atenda às expectativas de reeleição do atual presidente. É sempre importante estar atento a qualquer tentativa de subverter o principal símbolo de uma democracia, a possibilidade de eleger representantes a partir do voto.
  2. Segundo, essa é uma discussão que já surgiu no Brasil e que pode influenciar nosso processo eleitoral de novembro – que, é importante lembrar, já foi adiado e ainda está coberto de uma aura de incerteza sobre quais serão os seus resultados.
  3. Por último e não menos importante: a oportunidade de construir processos eleitorais para que sejam seguros, transparentes e sigilosos. Nesse tema, o Brasil faz escola há tempos, utilizando tecnologia para garantir o direito ao voto.

Donald Trump e Joe Biden no palco do primeiro debate presidencial nos EUA (Saul Loeb / AFP)

Da urna eletrônica a identidade digital

O Brasil realizou uma verdadeira revolução eleitoral. Muitos dos atuais eleitores podem nem saber –e talvez nem tivessem nascido –mas em 1996 passamos a adotar o sistema de registro de votos eletrônico, dando fim ao modelo arcaico de eleições por cédulas de papel.

Diversos países que desejam adotar um sistema semelhante têm na experiência brasileira o verdadeiro exemplo a ser seguido e são muitos os acordos de cooperação e transferência dessa tecnologia. O interesse tem muito fundamento: a urna brasileira viaja para todas as localidades de nosso país de dimensões continentais. Seja em São Paulo, ou numa aldeia indígena do interior do Pará, essa é a tecnologia que garante o direito de escolha de cada cidadão brasileiro.

Nos últimos anos essa tecnologia foi aprimorada. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), instituição responsável pelas eleições no país, iniciou a identificação da biometria de cada eleitor, procedimento que garante ainda maior segurança e confiabilidade ao processo eleitoral –e também fez com que a instituição se tornasse uma referência para o projeto de criação de uma identidade digital que hoje está em discussão no país.

Mais recentemente, O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lançou um chamamento público em busca de soluções tecnológicas que permitam evoluções no sistema eleitoral, especialmente para possibilitar a votação online. As empresas interessadas poderão demonstrar o funcionamento de suas ferramentas já este ano, durante simulações no primeiro turno. Os resultados são promissores.

Ao que tudo indica, o Brasil seguirá como uma referência mundial na utilização de soluções tecnológicas aplicadas ao processo eleitoral. Esse é mais um exemplo de como a inovação e digitalização do poder público são fundamentais para trazer sigilo, segurança e transparência ao principal símbolo da democracia de diversos países. Isso sem mencionar a eficiência e economia que as soluções podem trazer –afinal, imagine poder votar do conforto de sua casa e com acesso a um celularE não para por aí.

Tecnologia e exercício da democracia

O processo eleitoral é fundamental e, como disse, um símbolo de toda a democracia. Mas ela não se encerra aí –ou, ao menos, não deveria. A participação e o controle social são fundamentais para o exercício da cidadania.

Já falei aqui sobre as civitechs, startups de tecnologia que se dedicam a fortalecer a participação social, garantindo que cada cidadão tenha voz e possa acompanhar –e cobrar– a execução de políticas públicas. Elas desenvolveram diversas soluções –de aplicativos para celular a portais na internet— que unem alguns elementos fundamentais para a participação social: o acesso à informação, canais de comunicação diretos com o poder público e, principalmente, a formação política.

Um exemplo dessas soluções é o Poder do Voto, aplicativo que permite que eleitores possam conhecer, interagir e se posicionar frente às diversas propostas de deputados e senadores eleitos do país.

Ou o Tem Meu Voto, uma plataforma que esteve ativa no ano de 2018 e permitia que eleitores, ao responderem algumas perguntas sobre o que desejavam para o Brasil, encontrassem candidatos alinhados às suas bandeiras.

Há também o Liane, projeto construído pelo Instituto Update, e que é uma ferramenta de engajamento social, permitindo a organização de ações e o acompanhamento de apoiadores.

No campo da formação política, experiências como o Meu Município e o Cidade em Jogo exemplificam o poder da tecnologia.

Desenvolvido pela Fundação Brava, o Meu Município é um portal que permite o acompanhamento da execução orçamentária de todas as cidades do país. Dados sobre os 5570 municípios brasileiros estão disponíveis e podem ser comparados, ampliando e facilitando o acesso de informações pelo cidadão.

Já o Cidade em Jogo é um game online que busca ampliar o conhecimento de jovens do ensino médio sobre a gestão pública: o jogador é prefeito por um dia e ele precisa escolher prioridades, administrar os recursos e lidar com as crises de uma cidade. 

Há um espaço infinito para aprimorar essas soluções e, sem dúvida, o Brasil pode se tornar referência na digitalização das eleições.

Nos próximos anos, poderemos construir um processo eleitoral ainda mais consolidado, sigiloso, seguro e transparente. Com isso, questionamentos como o do presidente Donald Trump que, hoje, já são insustentáveis, passarão a ser inaceitáveis.

Sobre a autora

Letícia Piccolotto é mestre em Ciências Sociais, especialista em Gestão Pública pela Harvard Kennedy School e fundadora do BrazilLAB, a única plataforma brasileira que conecta startups e governos para estimular a inovação no setor público.

Sobre o blog

Acelerar ideias e estimular uma cultura voltada para a inovação do setor público. Este é um blog para falar de empreendedores engajados em buscar soluções para os desafios mais complexos vividos pela sociedade brasileira.